
A advogada Zélia Camelo de Oliveira (PP) é uma das duas prefeitas pretas dos 246 municípios do estado de Goiás, e uma das dez em todo o país. Nascida em Aruana (GO), ela está à frente da Prefeitura de Itapirapuã desde 2012. No município, apenas 5,5% da população se autodeclara preta. Esse é seu último mandato. Secretária de Finanças da cidade durante os mandatos do pai (entre 2001 e 2008), ano passado ela aceitou a recomendação do Ministério Público do Estado para exonerar um de seus secretários, que cumpria sentença em regime semiaberto por crime de peculato.
Em entrevista à Gênero e Número, a prefeita ressalta a importância do fundo partidário para a candidatura femininas e discute a falta de incentivo para mais mulheres e pessoas negras entrarem na política partidária. “Homens e pessoas brancas predominam nesse universo. Ainda falta muito incentivo para mudarmos essa realidade. No meu estado só tem mais uma prefeita preta [Leide Ramos Ferreira, em Santo Antônio da Barra]. Isso demonstra a realidade da discriminação e das barreiras que o negro enfrenta na política, no mercado de trabalho e na sociedade.”
Confira trechos da entrevista a seguir:
Gênero e Número: Que tipo de dificuldades enfrentou no cargo por ser mulher e por ser negra?
Enfrentei o que todas as mulheres neste cargo enfrentam. Eu vejo que alguns municípios utilizam a mulher apenas como figura na prefeitura, mas não acreditam na competência e no potencial. Em alguns casos, no meu estado, os homens querem ocupar cargos que não são deles, porque acham que as mulheres não são capazes de estar em um posto de gestão do município. Eu, como prefeita, nunca enfrentei muitas dificuldades, mas percebi estas práticas ao meu redor.
Gênero e Número: Como ajuda a fortalecer, dentro do próprio partido, a candidatura de mulheres para as eleições de 2020?
É muito importante fazer nossa voz ser ouvida. A candidatura de mais mulheres é uma pauta do partido, principalmente no âmbito estadual. A partir da eleição de 2020, primeira eleição municipal em que 30% do fundo partidário tem que ser voltado a candidaturas de mulheres, percebo que os presidentes estaduais do partido estão com essa preocupação e procuram incentivar mais candidaturas de mulheres. [Na campanha de 2018, reportagem da Gênero e Número apurou que o PP não declarou ao Tribunal Superior Eleitoral como distribuiria os 30% obrigatórios às candidatas mulheres.]
Já percebemos que apenas a obrigatoriedade na chapa não basta. Para termos mais mulheres na política precisamos de meios para estimularmos essas mulheres. Eu já fui convocada pelo partido para ajudar nesse sentido e incentivar essas candidaturas.
Gênero e Número: Além da senhora, o Brasil possui somente nove prefeitas pretas eleitas em 2016. O que este dado diz sobre o país?
Esse número mostra a realidade que vivenciamos. Eu não vivi essa discriminação direta, mas este dado traz a importância da luta das mulheres e pessoas negras de ocuparem lugares importantes na nossa sociedade. Realmente, são os homens e pessoas brancas que predominam nesse universo. Ainda falta muito incentivo para mudarmos essa realidade. No meu estado só tem mais uma prefeita preta. Isso demonstra a discriminação e as barreiras que o negro enfrenta na política, no mercado de trabalho e na sociedade.
Gênero e Número: Como foi sua trajetória pessoal e política até chegar na prefeitura?
Meu pai já foi prefeito da cidade, então eu tinha uma familiaridade com a vida política. Eu sou bacharel em Direito, formada pela Universidade Federal de Goiás, em 2003. Enquanto estava na graduação, assumi a função de secretária Municipal de Finanças, durante duas gestões [nos dois mandatos de seu pai, Zacarias Ribeiro de Oliveira, à frente da Prefeitura, entre 2001 e 2008]. Neste período também fiz minha pós-graduação em Direito Público pelo Instituto de Direito Administrativo de Goiás. Em 2009, me mudei para Goiânia, onde trabalhei na Assembleia Legislativa do Estado como assessora parlamentar, e durante esse tempo também fui aprovada em um concurso público na Bahia.
Um ano antes da eleição municipal, em Itapirapuã, um deputado da cidade encomendou uma pesquisa para a prefeitura e meu nome se destacou. Diante dessa situação, eu retornei para a cidade. Sem nunca ter exercido um mandato eletivo, fui para a disputa contra um prefeito que estava tentando reeleição e acabei saindo vitoriosa. Fui eleita em 2012 e reeleita em 2016. Eu tive muita coragem ao enfrentar a máquina de poder sem nunca ter disputado nenhum outro cargo. O que me credenciou a ocupar um lugar de destaque nas pesquisas foi o fato de que fui secretária de Finanças e não deixei dívidas ou salários atrasados durante minha gestão. Isso me trouxe credibilidade. As pessoas me falavam: “Você é mulher, a primeira a assumir o cargo e foi a única a conseguir manter os compromissos em dia”.
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Esse número [dez prefeitas pretas em todo o país] mostra a nossa realidade. Eu não vivi discriminação direta, mas este dado traz a importância da luta das mulheres e pessoas negras de ocuparem lugares importantes na sociedade. Homens e pessoas brancas predominam nesse universo.
Gênero e Número: Por que decidiu entrar para a política?
Acredito que foi ironia do destino ter chegado onde cheguei. Mas o fato de achar que eu poderia contribuir para uma sociedade melhor e o desafio de acreditar que eu poderia ser melhor do que o prefeito anterior foram os impulsos para entrar na política. Eu tive certos receios porque sabia que não seria fácil, mas sabia que não poderia deixar a cidade continuar com quem não tinha compromisso, principalmente com o servidor público.
Gênero e Número: Quais as suas aspirações ao deixar o cargo, no fim deste ano? O que pretende fazer na política e fora dela?
Eu abri mão de muita coisa, principalmente no aspecto pessoal e familiar, para minha carreira na política. Então não me vejo ocupando outros cargos na política, nesse momento. É muito bom e gratificante, mas também é desafiador e é um universo muito machista. Uma possibilidade depois de entregar o cargo é voltar a atuar no Direito.

Gênero e Número: Possui secretárias ou funcionários negros no gabinete? Em quais cargos?
Tenho mulheres e pessoas negras nas secretarias e no meu gabinete. As mulheres são as secretárias de Planejamento e a de Assistência Social. Além disso, na minha gestão também tivemos mulheres nas áreas de saúde e de educação, mas depois das suas saídas, são homens que ocupam esses cargos. Na questão racial, o meu chefe de gabinete e os secretários de Transporte e Educação também são negros.
Gênero e Número: Quais são as suas políticas para mulheres na cidade? E para negros?
Nós sempre comemoramos o Dia Internacional da Mulher e temos palestras voltadas a consciência negra para a população em geral. Isso é sempre realizado. Foi uma falha minha não ter feito políticas voltadas às mulheres negras.
*Vitória Régia é repórter da Gênero e Número