
“Eu trabalho como ambulante desde antes dos 18 anos. Quando me casei, parei de trabalhar na área, mas depois de vinte anos, em 2014, voltei. Na minha vida como ambulante aconteceu muita coisa boa. Apesar das dificuldades, eu gosto muito deste trabalho. O meu coração sempre quis reunir os ambulantes em um mesmo espaço. No começo, organizamos alguns eventos na Praça XV, na região central do Rio de Janeiro, que deu certo por um tempo, mas trabalhar com outras pessoas pode ser difícil. Por isso, decidimos aproveitar esse espaço da garagem de casa para criar A Garagem Delas.
Está crescendo o número de mulheres ambulantes, vejo muitas mais de nós na rua. Para nós, é mais difícil arrumar trabalho e se virar, em comparação com homens, porque para a gente se virar pode significar pegar uma caixa de isopor, colocar uma cerveja e sair na rua para vender.
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Três ambulantes se juntaram para criar esse espaço: eu, Alice Lopes e Alinny Gomes, minha filha. Queríamos fazer um coletivo de ambulantes, um evento que ocupasse a rua e a praças. As mulheres eram quem mais participavam desse espaço. Daí saiu o evento Garagem Delas, que começou em 2018. No nosso primeiro evento, não sobrou nenhum dinheiro, deu só para pagarmos tudo, mas com o tempo fomos aprendendo.
Agora, com um ano de pandemia, estamos praticamente sem fazer nada. O espaço que era para eventos de ambulantes usamos para ação social. Fazemos distribuição de cestas básicas do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), organizando um café solidário para a população de rua e ajudando como podemos quem precisa.

Izabel transformou a garagem de casa, onde realizava eventos para ambulantes, em local de distribuição de alimentos| Foto: Arquivo pessoal e Ilustração: Victoria Sacagami
As duas outras ambulantes que construíram o evento comigo tiveram que arrumar outros empregos. Eu morro de medo da pandemia e de pegar covid-19, por isso tive que parar de trabalhar e não quis me arriscar mais indo às ruas. Também transformamos a garagem em estacionamento para conseguir manter uma parte da renda. Eu falo que antes eu era rica e não sabia porque quem trabalha em evento trabalha final de semana, e consegui manter minha família com essa renda. A rua dava dinheiro para a gente. Camelô sempre vendia bem.
Estamos com fome de tudo, de trabalho, de estar na rua e de comer. Esse ano as coisas estão piores do que no ano passado. Porque ano passado a pandemia veio depois do carnaval, por isso, os ambulantes tinham ainda alguma renda guardada dessa época para se manter, e quem conseguiu, recebeu o auxílio emergencial. Mas esse ano está sendo o ano da fome e da miséria, não temos mais nenhum dinheiro ou auxílio”.
Izabel Gomes, ambulante e idealizadora da Garagam Delas, em depoimento à repórter Vitória Régia da Silva