Anote este nome: Ariene Susui, candidata a vereadora em Boa Vista

A Gênero e Número apresenta quinzenalmente a entrevista de uma mulher que irá disputar as eleições 2020 e que merece ficar no seu radar

Por Sanny Bertoldo*

Representante da etnia Wapichana, Ariene Susui vai tentar pela primeira vez uma vaga na Câmara Municipal de Boa Vista (RR), pela Rede. A cidade nunca elegeu um representante indígena, apesar de quase 20 mil deles morarem na capital do estado, e Susui acredita que a falta de representatividade impede que políticas públicas sejam desenvolvidas para esta população.

Aos 24 anos, ela está na política partidária há dois. Em 2018, trabalhou como voluntária na campanha da advogada Joênia Wapichana (Rede), eleita deputada federal pelo estado de Roraima, tornando-se a primeira mulher indígena no Congresso Nacional. A eleição de Joênia e sua atuação na Câmara dos Deputados, aliás, são apontadas como dois dos fatores do aumento de candidaturas indígenas nestas eleições, assim como a política do governo Bolsonaro para essa população. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram registrados 2.208 candidaturas indígenas em 2020, contra 1.715 em 2018. Só em Roraima, estado de Susui, serão 148. 

200618_ASSINE_banner

Formada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Roraima e no primeiro ano do mestrado, com uma pesquisa sobre comunicadores indígenas que usam as redes sociais para tornar visível a luta de seus povos, ela afirma: “Antes, estávamos preocupados em lutar pelo nosso território, por nossa educação, e agora vem a questão, não de querer, mas de necessidade de termos indígenas na política”.

Conheça a candidata.

Qual é a sua trajetória política e o que a motivou a disputar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Boa Vista?

Já discutíamos política antes, no movimento indígena. Hoje, discutimos política partidária, que é algo muito novo para nós, enquanto jovens indígenas, estudantes e mulheres. A minha trajetória política se relaciona com minha trajetória de vida enquanto parte do movimento indígena, estudante, mulher e também profissional de comunicação. 2018 foi o ano que marcou muito porque foi quando nos filiamos a um partido, a Rede, pelo qual estou disputando hoje a eleição, e iniciamos essa discussão de política partidária a partir da candidatura da deputada Joênia [Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena eleita ao Congresso Nacional]. Eu era voluntária na época.

 

[+] Leia mais: “A ausência do Estado tem acelerado muito mais a mortalidade nos territórios indígenas”

 

Nosso maior desafio em disputar uma cadeira na câmara municipal de Boa Vista este ano é simplesmente a falta de representatividade. Apesar de termos um grande número de população indígena aqui no município de Boa Vista, nós nunca tivemos em todos esses anos nenhuma representatividade indígena. E se não temos representação, não temos visibilidade, o que ocasiona preconceito, desigualdade, que são muito fortes. Apesar de nós termos avançado, ainda temos muito a avançar.

O que você acha que explica o fato de nunca terem eleito um candidato indígena em Boa Vista, mesmo tendo quase 20 mil indígenas morando na capital? 

Isso se dá muito pela questão de preconceito, uma questão histórica. Nós temos aqui uma luta que durou anos, que é da Raposa Serra do Sol [terra indígena, objeto de disputa entre indígenas e produtores de arroz, que ocuparam irregularmente áreas da reserva, e que teve sua demarcação homologada em 2005]. Isso influenciou muito na questão do preconceito aqui na cidade, muitos indígenas acabaram se reprimindo, indo para as margens do município, e acabaram sendo invisibilizados pelas políticas públicas, que não chegam até eles, assim como não chegam nas periferias.

Antes, estávamos preocupados em lutar pelas questões de território, de educação, mas agora vê-se a necessidade de ocuparmos espaços políticos, e a gente está lutando para ocupar esses espaços. Também tem a luta pela afirmação da nossa identidade. Obviamente tem o contexto histórico por trás de tudo isso, mas cada vez mais os indígenas da cidade estão se autoafirmando, entendendo que, seja na comunidade ou na cidade, ele continua sendo indígena. E isso a gente coloca muito: não importa onde o indígena esteja, ele vai continuar sendo indígena de qualquer forma.

Então, a ideia de que indígena só é indígena se morar numa comunidade ainda existe?

Quando a gente vem para a cidade, parece que as pessoas não nos enxergam mais, a gente precisa rever isso. Nossa candidatura é muito importante porque a gente começa a colocar essa questão da identidade para os indígenas que estão na cidade, que acompanham nossa forma de luta. A identidade, que muitas vezes foi usurpada pelo preconceito, reprimiu a população indígena aqui de Boa Vista. Isso obviamente dificulta a vida dos indígenas que vivem na cidade porque com a ideia de que o indígena só é indígena na comunidade, ele não tem acesso a políticas públicas aqui. Mas não deixamos de ser indígenas quando viemos para a cidade. Quando a gente vem para a cidade, a gente vem para estudar, para buscar oportunidades para poder ajudar nossa comunidade também.

 

[+] Leia também: Pessoas trans e LGBT+ negras e indígenas estão mais expostas ao impacto da covid-19, aponta pesquisa

 

E como mudar tudo isso? Tem uma série de questões que vão partir da representatividade. Precisamos mudar o cenário municipal, colocando representantes indígenas que conheçam a realidade da população indígena urbana, mas também a população indígena rural, para poder compreender que indígena é indígena na comunidade, mas também na cidade. É preciso ampliar as discussões de políticas públicas para essas pessoas também.     

aspa

Nós, indígenas, estamos começando a ver que é preciso entrar nos espaços de decisão, que é a política, tanto no cenário municipal, estadual, e também a nível nacional, com deputados e senadores; é necessário colocar pessoas lá dentro porque é de lá que partem decisões que afetam diretamente nossa população.

Se eleita, que diferença acredita que pode fazer na Câmara? Por que causas pretende lutar? 

Estamos lutando para ter essa representatividade na Câmara Municipal e acreditamos que a diferença está exatamente nisso, de termos pela primeira vez nossa representatividade. Nossas causas se sustentam nos eixos educação, sustentabilidade e justiça social. Dentro desses três eixos, nós também temos as questões da população indígena, que precisam ser discutidas e não são debatidas porque não são uma realidade dos que entram lá: sustentabilidade, questões de produção, cultura e a própria língua. Quer dizer, todas essas questões que não são visibilizadas hoje no município por falta de conhecimento dos representantes que estão na câmara.

Então, é uma diferença muito grande ter alguém lá dentro para falar por nós, para falar sobre a população indígena, mas não só por isso, também por causas estudantis, das mulheres, várias questões que precisam ser colocadas lá que a gente tem a possibilidade de fazer diferente.

Como você vê o crescimento da participação dos indígenas na vida política do país? 

Antes, estávamos preocupados em lutar pelo nosso território, por nossa educação, e agora vem a questão, não de querer, mas da necessidade de termos indígenas na política. Esse aumento se deve muito aos avanços do retrocessos com esse governo, que afetam diretamente a população indígena, e com a eleição da deputada Joênia. Esse número cresceu muito mais porque nós, indígenas, estamos começando a ver que é preciso entrar nos espaços de decisão, que é a política, tanto no cenário municipal, estadual, e também a nível nacional, com deputados e senadores; que é necessário colocar pessoas lá dentro porque é de lá que partem decisões que afetam diretamente nossa população, então, com o crescimento desse discurso de ódio, vimos a necessidade de colocarmos nossos representantes para falar por nós.

Pelo fato da deputada Joênia estar lá dentro lutando e mostrando que pode ser feita uma política diferente, nossa população indígena quer alcançar mais, quer colocar mais indígenas na política por ver que isso é uma necessidade, uma forma de resistência. Nós precisamos fazer isso se quisermos nas próximas gerações continuar lutando e defendendo o nosso povo.

 

[+] Leia também: Gênero e Raça com Martha Rocha (PDT), candidata à Prefeitura do Rio

No governo Bolsonaro, os indígenas ficaram ainda mais vulneráveis, seja por questões de saúde, com a falta de uma política adequada contra a covid, seja por ameaça a suas terras. Como você vê essa situação e o que é possível fazer sendo vereadora? 

Temos um governo que é totalmente contra a população indígena, tem umas ideias fixas de que indígena tem que ser integrado à sociedade, apesar de que nós já estamos aqui, não precisamos que ninguém nos fale isso. Nós sofremos obviamente com a pandemia, a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena, órgão do Ministério da Saúde] não fez um plano emergencial para a população indígena; o governo fez pouco caso disso e ainda quis parar o PL 1142 [projeto de lei que estabelece ações de emergência para proteção dos povos indígenas, quilombolas e de outras populações tradicionais durante a pandemia], com relatoria da deputada Joênia. Mas assim, nunca houve uma mobilização muito grande para poder tentar minimizar o sofrimento da população indígena, e nessa luta contra a covid, ainda teve a questão das invasões, houve muita invasão e continua tendo neste período de pandemia, e tudo isso ocasiona insegurança, medo.

E como a gente se vê nesse cenário municipal? Precisamos colocar pessoas indígenas em todas as instâncias, começando agora pela municipal. Em 2022, queremos, sim, colocar deputado federal e continuar a representação no Congresso. A gente precisa ocupar todos os espaços, colocar nossa representação onde nunca teve. A gente pode discutir a nível municipal, cobrar dos governantes, fiscalizar os recursos que são demandados e propor ações para as comunidades.

*Sanny Bertoldo é editora da Gênero e Número.

Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.

Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.

Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.

A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.

Quero apoiar ver mais