“Se continuarmos nesse ritmo, só em 56 anos teremos paridade entre homens e mulheres nas câmaras municipais”

Pesquisador e doutor em demografia, José Eustáquio Alves diz que os partidos são os maiores responsáveis pelo avanço lento das mulheres na política; segundo ele, se nada mudar, a igualdade entre homens e mulheres nas prefeituras só acontecerá em 300 anos

Por Sanny Bertoldo* 

Apresença de mulheres nas câmaras municipais têm aumentado a cada eleição. Se, em 2016, 13,5% dos eleitos para vereador eram do sexo feminino, esse ano, a proporção subiu para 16%. Um avanço tímido que, para o pesquisador, consultor e doutor em demografia José Eustáquio Alves, revela uma tendência nada animadora. Segundo ele, se continuarmos nesse ritmo, só em 56 anos haverá paridade entre homens e mulheres no legislativo municipal. Para a prefeitura, a demora será ainda maior: 300 anos.

Alves acredita que a dificuldade para se alcançar a paridade de gênero na política não passa pelo perfil do eleitorado brasileiro, que elegeu e reelegeu Dilma Rousseff para a presidência do país. O problema, diz, são os partidos políticos. “A barreira está nos partidos políticos, que são controlados por homens que controlam os recursos das candidaturas, que querem continuar tendo poder”.

O pesquisador defende que já passa da hora de a lei das cotas para  candidaturas femininas subirem para 50% e afirma que o país só tem a ganhar quando é igualmente representado por homens e mulheres nas esferas de poder.

 

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Confira a entrevista:

Como o senhor analisa o resultado das eleições municipais de 2020 pela perspectiva de gênero?

Estamos longe do que seria o ideal quanto à paridade de gênero. A meta é pelo menos meio a meio. Você não pode obrigar o eleitorado a votar, mas se tivéssemos 40%, 45% de mulheres, seria mais aceitável. O que acontece é que, nestas eleições, apenas 16% de mulheres foram eleitas para as câmaras municipais. É muito pouco. Sempre me perguntam quando vamos chegar à paridade. De 2016 para 2020 foi um dos maiores avanços que houve nesse sentido, mas esse avanço, que é mais ou menos de 2,5%, é lento. Então, se continuarmos nesse ritmo, só em 56 anos teremos paridade entre homens e mulheres nas câmaras municipais.

Nas prefeituras é ainda pior. Geralmente o que acontece é que, quando há mais mulheres na política municipal, isso acaba refletindo nas prefeituras. Só que, do jeito que as coisas caminham, precisaríamos de 300 anos para que a paridade chegasse às prefeituras. 

Qual é o maior empecilho para que se alcance a paridade de gênero na política? O senhor concorda com o argumento de que o eleitor brasileiro não vota em mulher por machismo, sexismo?     

Dou o exemplo da Dilma (Rousseff), que foi eleita (2010) e reeleita (2014) com maioria dos votos. Se o eleitorado brasileiro elegeu duas vezes uma mulher para presidente, por que não vai eleger vereadoras e prefeitas? Esse argumento não bate. Colocar a culpa no eleitorado não bate. Não acho que o problema central é o eleitorado. A barreira está nos partidos políticos, que são controlados por homens, que controlam os recursos das candidaturas, que querem continuar tendo poder. Eles impõem uma série de barreiras.

Como os partidos têm essa estrutura de os homens controlarem o processo, eles não abrem o espaço adequado para o crescimento das mulheres. Então, para mim, a principal culpa é dos partidos. Até 2012, por exemplo, não tinha nenhum partido presidido por mulher. Mesmo um partido igual ao PC do B, que já elegia muitas mulheres, que tinha um discurso em defesa da mulher, nunca tinha tido eleito mulher para presidir o partido em 90 anos.

Então, como é que a gente vai mudar a estrutura de gênero na política só a partir de uma lei federal? Se os partidos não querem mudar internamente e o Congresso é formado a partir dos partidos, você cai em um ciclo vicioso. Mas se a sociedade civil pressionar, pode acontecer.

 

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Como o senhor vê a lei que determina cota de 30% para candidaturas femininas nas eleições? 

A política de cota de 30% para candidaturas femininas é  fruto de uma pressão internacional, a partir da Conferência de Pequim ( IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, em 1995, ratificada pelo Brasil, que determina ao Estado a tomada de medidas para eliminar os preconceitos, e a superioridade de um gênero sobre o outro). Aí a Marta (Suplicy, à época deputada federal) propôs essa lei, que inicialmente previa 20% de vagas para mulheres nos partidos. Depois aumentou para 30%. Essa política de cotas tem dado resultado, mas muito pequeno, e ainda é ruim porque você coloca um punhado de mulher para concorrer sem estrutura, só para preencher a cota. 

Aumentando o número de candidatas, isso é estatístico, tende-se a aumentar o número de eleitas, só que isso acontece aqui em um ritmo muito lento. E se continuarmos assim, a distância do Brasil para a média do mundo vai ficando cada vez maior. Tem países que já atingiram a paridade  como, Bolívia, Argentina, Ruanda, onde o parlamento é composto por 60% de mulheres. Quer dizer, tem países em que o sistema de cotas realmente funciona, enquanto a gente está além do centésimo lugar no IPU (segundo o ranking da Inter-Parliamentary Union, o Brasil ocupa o 143º lugar na relação de cadeiras ocupadas por mulheres no parlamento (com 15%), atrás de Ruanda (61,3%), Bolívia (53,1%), Moçambique (42,4%), Afeganistão (27%) ). Aqui, a combinação do sistema político brasileiro com a estrutura dos partidos atrasa tudo.

 

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Se metade de um país não entra no mercado de trabalho, não entra na educação, não entra na política, a contribuição dessa metade da população é subutilizada. E isso tem consequências em termos políticos, culturais, econômicos. A experiência mostra que o quanto mais próximo você está da representação da sociedade, mais o país tende a ser economicamente melhor

O que poderia ser feito para acelerar esse processo de aumento da representatividade política da mulher? 

Os partidos argumentam que abrem a candidatura para as mulheres e elas não aparecem. Esse ano, foram mais de 180 mil candidatas. Mulher disposta a concorrer tem. Porto Alegre é a cidade com maior proporção de mulheres eleitas (31%). Belo Horizonte deu um salto. Em 2012, elegeu 2% de mulheres, agora, 27%. Então, está na hora de mudar essa cota para 50%. E aí, obviamente, os recursos para financiamento dessas candidaturas têm que ser aplicados mesmo, os partidos precisam adotar esse sistema de paridade também na sua estrutura. É um conjunto de coisas que precisam ser feitos. É claro que isso não significa que você vá eleger 50% de mulheres, o aumento não seria nessa proporção, mas vai aumentando. 

  Existe uma proposta de reservar 50% de vagas para as mulheres no parlamento. Eu não gosto dessa proposta porque engessa a opção do eleitorado, e independentemente de o eleitorado querer ou não eleger mulher, aquelas vagas estarão lá. Isso fere o princípio básico da democracia de o eleitor escolher, mesmo que seja para fazer bobagem. Agora, reservar vagas para candidaturas não mexe no poder do eleitorado; você está dando oportunidades iguais para mulheres e homens candidatos. Eu defendo a paridade de gênero na política, mas minha postura é tentar convencer o eleitor para a importância de isso acontecer. 

E como convencer a sociedade da importância dessa paridade de gênero na política?

Obama (Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos) usou uma imagem que é mais ou menos a seguinte: se eu for colocar um time em campo representando meu país e só coloco os homens, meu time estará desfalcado. Então, se metade de um país não entra no mercado de trabalho, não entra na educação, não entra na política, a contribuição dessa metade da população é subutilizada. Se você faz um congresso só de homem, deixa de lado metade da população. E isso tem consequências em termos políticos, culturais, econômicos. A experiência mostra que o quanto mais próximo você está da representação da sociedade, mais o país tende a ser economicamente melhor.  Não é uma coisa automática, mas é uma tendência, porque os países que têm paridade de gênero têm desenvolvimento econômico e social melhor.

Por que o Fórum Econômico Mundial de Davos, as empresas, estão buscando maior representatividade de gênero e raça? Porque existe essa evidência de que economias e empresas com maior diversidade têm um desempenho melhor do que as que não têm essa representação. Se a própria economia está fazendo isso, por que a política não vai fazer?

 

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Os Estados Unidos nunca tiveram uma mulher na presidência, agora terá uma na vice-presidente. Joe Biden (presidente eleito dos EUA) está montando um gabinete mais paritário. Não existe lei que exija isso, mas é um resultado das eleições, das mobilizações da sociedade, fruto da luta por maior igualdade racial, de gênero, luta por direito LGBT. Isso está crescendo em boa parte do mundo

No governo federal, há duas mulheres ministras. É muito pouco. Mas, por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, por que Eduardo Paes, se for eleito, não monta um gabinete paritário? Não existe impedimento, é só ele querer. E seria importante uma pressão da sociedade nesse sentido. Temos que mudar essa cultura. Muita gente acha que já teve um grande avanço. Teve, mais ainda é muito pouco.

*Sanny Bertoldo é editora da Gênero e Número

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