Diálogos Possíveis: Deputadas estaduais Olivia Santana (PCdoB/BA) e Talita Oliveira (PSL/BA)

Membros da Assembleia Legislativa da Bahia, as deputadas participam desta edição do diálogo proposto pela Gênero e Número para aproximar pontos distintos do espectro político brasileiro

Da Redação Gênero e Número

Duas mulheres de lados opostos do espectro político compartilham o plenário da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) e, cada uma à sua agenda, representam a chamada renovação política. Olivia Santana (PCdoB) é presidente da Comissão de Direitos da Mulher, a primeira mulher preta a ocupar um cargo na Casa e tem discurso ancorado na defesa dos direitos humanos. Antes, Santana ocupou por dois mandatos uma cadeira na Câmara Municipal de Salvador.

Talita Oliveira (PSL) também é estreante na Assembleia e sua principal bandeira é o empreendedorismo feito por mulheres. Na Alba, Oliveira é titular das comissões da Promoção da Igualdade e dos Direitos da Mulher. Nesta edição de mais um Diálogos Possíveis, as duas deputadas discutem a trajetória de seus partidos e correligionários, temas como segurança, Reforma da Previdência, governos de outros países da América Latina e direitos dos trabalhadores.

Olivia Santana: A senhora sempre afirma em suas entrevistas que faz parte da “Nova Política” e demonstra insatisfação com algumas ações da presidente estadual do seu partido (PSL), Dayane Pimentel. Um dos pontos defendidos por ela e pelo presidente da República é a liberação do porte de armas — inclusive com a alteração do último dia 8 de maio,  facilitando o acesso a mais categorias como agentes de trânsito, conselheiros tutelares, caminhoneiros e políticos eleitos, que não precisam comprovar “efetiva necessidade” para transportar armas fora de casa. Segundo o Tribunal de Justiça da Bahia, somente em janeiro de 2019 o estado registrou 14.973 denúncias de violência contra mulheres. Como parlamentar e membro da Comissão dos Direitos da Mulher, a senhora não se preocupa com o possível aumento do número de feminicídios e outros homicídios na Bahia após esse decreto?

A ideia de “Nova Política” está relacionada às boas práticas no exercício do mandato que, por sua vez, têm a ver com o respeito ao erário público, retidão ideológica e coerência programática, sem fazer uso de negociatas escusas e subornos. Estes são pontos dos quais eu me orgulho e que haviam sido desprezados nos últimos 30 anos, sobretudo pelo grupo político que ocupou o governo federal de 2003 a 2016. Então, não vejo como a defesa do armamento civil pode representar uma contradição no que diz respeito a este conceito de nova política. Pelo contrário, defender que as pessoas possam validar o direito de preservação de suas vidas através de meios comprovadamente mais eficazes do que discursos ressentidos ou medidas “socioeducativas” que protegem os criminosos é reafirmar o compromisso com uma nova forma de fazer política: conectada à realidade e condizente com a vontade popular que expressou, através do plebiscito autoritariamente desprezado pelo ex-presidente Lula, seu desejo de possuir armas para autodefesa e proteção. Apresentar um número aparentemente elevado de denúncias de violência contra mulheres para, de alguma forma, tentar enfraquecer ou apontar alguma contradição no decreto das armas na verdade somente reforça sua necessidade. Isso também sinaliza que a política desarmamentista fracassou, deixando as mulheres à mercê da violência praticada por aqueles que possuem ferramentas para intimidá-las.

Olivia Santana: O contexto de políticas afirmativas iniciado em 2004, entre elas as cotas no Ensino Superior, começou a modificar um quadro de iniquidades, sobretudo as que interseccionam raça, gênero e classe, como é o caso do acesso à educação no Brasil. Qual a opinião da senhora sobre as cotas raciais?

Há duas formas de se olhar para essa informação. Alguns podem comemorar o resultado que políticas paliativas como as cotas raciais supostamente trouxeram; outros podem ter uma leitura mais abrangente e que nos leva ao fato de que o Brasil sempre investiu pouco em educação básica, o que, por consequência, agrava a situação dos negros e de outros grupos. É sabido que o maior percentual de negros no ensino superior não está em cursos com grande relevância no mercado de trabalho. Então, o que queremos? Utilizar os negros para inflar estatísticas e ocupar espaços na universidade historicamente utilizados pela militância estudantil, ou realmente promover um salto qualitativo em suas vidas, capacitando-os, desde a base, para que possam ingressar nos melhores cursos, exercerem as profissões mais bem remuneradas e que terão um impacto significativo na sua condição socioeconômica? Na minha avaliação, o melhor caminho é a emancipação pelo ensino básico. E o argumento de que é um caminho mais demorado é um pouco falacioso, já que fazer faculdade não é a única forma de se vencer na vida. A educação financeira e o estímulo ao empreendedorismo, por exemplo, têm retorno matematicamente mais rápido do que confeccionar diplomas. As cotas raciais possuem um fundo político e identitário perigoso, que alimenta revanchismos, segregações, instrumentaliza os jovens e levanta questionamentos sobre a capacidade dos negros. Elas também dão margem a fraudes, o que, em termos de políticas públicas, é um grande indicativo de que algo está errado e deve ser mudado.

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Defender que as pessoas possam validar o direito de preservação de suas vidas através de meios comprovadamente mais eficazes do que discursos ressentidos ou medidas “socioeducativas” que protegem os criminosos é reafirmar o compromisso com uma nova forma de fazer política — Talita Oliveira, deputada estadual na Bahia

Olivia Santana: Se aprovada, a Reforma da Previdência será muito ruim para todos as trabalhadoras e trabalhadores, mas, ainda pior, para mulheres e trabalhadores rurais. Exigir tempo mínimo de 20 anos de contribuição, e 40 anos para que um aposentado receba o teto da aposentadoria, num país onde milhões de pessoas levam mais tempo desempregadas do que incorporadas ao mercado formal de trabalho, é condenar nossa gente ao completo desamparo. A senhora é contra ou a favor a Reforma? Por quê?

Eu sou a favor da Reforma da Previdência justamente porque ela foi projetada para combater as desigualdades, remover privilégios e alavancar a geração de empregos. Dizer que a proposta da equipe econômica do ministro Paulo Guedes será muito ruim para os trabalhadores é um discurso alarmista e que demonstra pouca familiaridade com os pontos do projeto. Como uma reforma que reduz a alíquota de contribuição de praticamente 90% dos trabalhadores pode prejudicá-los? Uma reforma que acaba com super-aposentadorias e regimes especiais como o dos políticos, bancados pelos mais pobres, e iguala todos pelo teto do INSS, é tudo menos “muito ruim para os trabalhadores”. É importante ressaltar que a geração de empregos está relacionada à aprovação da Reforma, uma vez que o equilíbrio das contas públicas é condição para atração de investimentos ao país e para a consequente abertura de vagas no mercado de trabalho. Quanto às aposentadorias rurais, elas são responsáveis pelo maior déficit (R$ 113 bi) e é onde existem mais fraudes. Nesse sentido, a Reforma da Previdência vem também para preservar quem não pratica fraudes e acaba sendo prejudicado pelos que praticam. Ao contrário do que é alardeado pelos críticos, 20 anos de contribuição é um tempo bem razoável, considerando a expectativa de sobrevida do brasileiro (por volta de 25 anos). Ela representa o tempo que a pessoa ainda vive após chegar à terceira idade. A Reforma da Previdência é uma questão objetiva. Matemática não tem ideologia. Se não tiver dinheiro, ninguém vai receber e aí sim os trabalhadores e os mais pobres ficarão desamparados.

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Talita Oliveira: Cara deputada Olívia, primeiramente, gostaria de parabenizá-la pelo resultado nas eleições do ano passado. Recentemente houve uma polêmica no Congresso Nacional, quando um senador baiano propôs alterações à lei de cotas femininas nos partidos. Muitas parlamentares de esquerda se posicionaram contra, alegando que a medida dificultará o ingresso das mulheres na política. Acontece que, desde que foi implementada, há duas décadas, a lei de cotas não contribuiu para o aumento expressivo da participação feminina; pelo contrário, abriu margem para candidaturas-laranja e desvios de recursos do fundo eleitoral. Do ponto de vista racional, como a senhora avalia a política de cotas para mulheres? Não seria o caso de pensarmos em alternativas menos vulneráveis e menos impositivas, que não reforcem a ideia de que as mulheres sempre precisam de favorecimentos, para serem trazidas para a política?

As cotas foram uma conquista tanto dos negros, nas universidades, quanto das mulheres, no processo eleitoral. É importante dizer que saímos das reservas de vagas que eram superficiais, artificiais e que nenhum partido cumpria. As mulheres não conseguiam se eleger porque não tinham nenhuma estrutura. Houve, depois da adoção da cota obrigatória, acompanhada pela decisão do Supremo Tribunal Federal de que os partidos teriam que destinar 30% do Fundo Eleitoral. E então nós tivemos um resultado muito positivo. Basta olhar o que aconteceu nas urnas em 2018: saímos de 51 deputadas federais para 77, portanto houve crescimento significativo. Nas assembleias legislativas, saímos de 119 mulheres eleitas para 161, então é fato concreto: as cotas deram certo e são irreversíveis se depender da nossa luta, da luta das feministas. Não somos nós que temos que facilitar a vida de homens machistas que corrompem o sistema, que usam mulheres que não têm consciência [política] para fraudarem o sistema de cotas e desviarem recursos. Temos que combater, denunciar e a Justiça tem que punir homens que fazem isso. Então eu sou frontalmente contra essa ideia de amenizar: este mecanismo tem que ser respeitado e não podemos abrir mão dele.

Talita Oliveira: O seu partido, PCdoB, tem um histórico de apoio e homenagens a regimes políticos antidemocráticos, que ferem as liberdades individuais e os direitos humanos. O PCdoB já chegou ao ponto de lançar cartas de apoio a Nicolás Maduro (ditador venezuelano) e Kim Jong-un (déspota norte-coreano). A senhora se sente confortável dentro da legenda, sobretudo sendo uma parlamentar que diz estar em defesa das minorias e da democracia?

O meu partido é um partido que defende o socialismo, o direito dos trabalhadores e das trabalhadoras, e eu tenho o maior orgulho de ser militante do PCdoB há 30 anos, que é um partido que se movimenta por causas. A nossa maior causa é a superação do capitalismo. Nós queremos implantar o socialismo no Brasil, um regime em que não haja miséria, que não haja pobreza, em que não haja uma educação precária. Um regime que, efetivamente, garanta a distribuição da riqueza fruto do trabalho. A deputada faz ataques à Venezuela baseada em informações da mídia hegemônica. A imprensa internacional capitalista obviamente vai falar o pior do sistema dos países que não trilharam o caminho do capitalismo. Maduro venceu todas as eleições, inclusive com fiscalização internacional, assim como foi Hugo Chávez. Prestar serviço ao imperialismo dos Estados Unidos contra irmãos da América Latina é uma lástima. Eu sou filha de trabalhadora, filha de uma doméstica, mas nunca vou ser manipulada por quem controla a riqueza no nosso país. Sou socialista, vou lutar até meus últimos dias para ver a liberdade dos trabalhadores e das trabalhadoras, para que vivam e um país mais justo, com riqueza distribuída, e uma escola decente para todos. Quero que o Brasil tenha os mesmos indicadores sociais de Cuba, que inclusive, iria muito mais longe se não fossem os bloqueios impostos pelos Estados Unidos, pela Organização Mundial do Comércio e essas estruturas imperialistas que oprimem os direitos e impedem o desenvolvimento livre das nações, principalmente na América Latina e África. Eu tenho vergonha, sim, da escravidão, dos que se beneficiaram da escravidão, dos que ficam tecendo loas à rainha da Inglaterra e a todos aqueles que “vampirizaram” povos para acumular riquezas.

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Não somos nós que temos que facilitar a vida de homens machistas que corrompem o sistema, que usam mulheres que não têm consciência [política] para fraudarem o sistema de cotas e desviarem recursos. Temos que combater, denunciar e a Justiça tem que punir homens que fazem isso. — Olivia Santana, deputada estadual na Bahia

Talita Oliveira: A esquerda vem se caracterizando nos últimos anos pela defesa de bandeiras identitárias, deixando de lado aquele marxismo mais ortodoxo e “operário” de outrora, para priorizar discussões de gênero e políticas públicas de cunho ambiental. Por outro lado, vivemos em um país ainda marcado pela insegurança pública – com números de guerra civil – e desemprego alarmante. A senhora também segue essa linha, ou acredita que o caminho para o empoderamento e emancipação, principalmente das mulheres, passa mais pelo estímulo ao empreendedorismo feminino, por exemplo, e menos pela problematização dos papéis de gênero?

O empreendedorismo não vai salvar o capitalismo. Por mais que estimulemos que mulheres, homens e desempregados se organizem coletivamente para a produção — eu mesmo sou defensora da economia solidária e penso que é uma outra lógica de organização econômica que nós temos que fomentar e incentivar — não tenho nenhuma dúvida de que o capitalismo, nessa fase terrível em que temos grandes oligopólios contrastando com mar de miséria,  é uma ordem mundial asfixiante que precisa mudar. Ou essa ordem muda ou vamos ter a barbárie predominando. Então a esquerda, especialmente os partidos socialistas, não estão trocando o enfrentamento à estrutura do capitalismo a partir da organização dos trabalhadores da classe operária por questões identitárias, não. A esquerda está incorporando à luta dos trabalhadores uma visão de que é necessário o enfrentamento ao racismo, às desigualdades de gênero, porque são fenômenos dessa estrutura patriarcal e racista que precisam ser enfrentados. Não é uma questão de moda, de superficialidade, mas sim de entender que para pensar um projeto de emancipação da classe operária é preciso garantir um olhar diversificado, um olhar que perceba esse segmento também na sua dimensão étnico-racial, na sua dimensão de gênero. É preciso entender que mesmo na classe operária homens recebem maiores salários e que as mulheres recebem menos, que negros recebem menos dos que os brancos. Por isso temos que enfrentar o racismo que desiguala as pessoas. Nós temos que garantir uma sociedade justa, democrática, e para isso acontecer temos que enfrentar o debate sobre relações de gênero e fazer as pessoas entenderem que mulheres não são inferiores, que homens não são superiores e que nós somos iguais. E que brancos, negros e indígenas também precisam ser tratados como iguais, sem racismo e sem nenhuma forma de opressão.

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Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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