Repasse de cota do Fundo Eleitoral foi conquista das mulheres no Tribunal Superior Eleitoral, neste ano. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Comprometidos a doar 30% às candidaturas de mulheres, partidos são opacos e não informam como será a distribuição do dinheiro

Ex-ministra Luciana Lóssio, uma das articuladoras do repasse obrigatório do dinheiro do Fundo às candidatas, afirma que não é possível obrigar os partidos a “fazer mais” do que assumir o compromisso de destinar essa cota às mulheres

Por Vitória Régia da Silva*

Vitória Régia da Silva

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Dos 10 partidos que mais recebem dinheiro do Fundo Especial do Financiamento de Campanha, mais conhecido como Fundo Eleitoral, nenhum declarou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como distribuirá os 30% obrigatório às mulheres, segundo apuração da Gênero e Número.

De acordo com critérios definidos pela Gênero e Número, metade dos 10 partidos se mostrou “nada transparente”, quatro partidos podem ser avaliados como “pouco transparente” e apenas um partido nesse grupo dos maiores – o PSD- se mostrou “razoavelmente transparente” sobre os critérios de distribuição do Fundo Eleitoral. Dos 35 partidos que recebem o Fundo Eleitoral, foram analisadas as resoluções declaradas pelos 10 partidos que mais recebem recursos (leia mais sobre a metodologia ao fim do texto).

Vanessa Grazziotin é senadora e procuradora da mulher no Senado. foto:

A decisão do tribunal (nº 23.575/2018) deu um grande poder aos partidos – principalmente  à executiva nacional dos partidos – para a definição de como aplicar os recursos para as candidaturas femininas, já que o documento estabelece que a distribuição fica a cargo de cada legenda. Na maioria dos partidos, as secretarias de mulheres são as responsáveis por receber a quantia repassada às candidatas e distribuir internamente entre elas, mas não constam nas resoluções de cada um dos partidos quais os critérios e como isso será feito. Os partidos apenas declaram que destinarão o mínimo de 30% do Fundo Eleitoral às candidaturas femininas, conforme compromisso assumido com o TSE.

“A resolução [do TSE] tenta garantir um ‘quanto’ (de pelo menos 30%, podendo ser mais), mas sem especificar um ‘como’. Está dito no documento do tribunal que a presidência do TSE analisará o cumprimento dos requisitos para distribuição do fundo eleitoral, isto é visto como uma condição necessária, sem a qual o partido não pode receber o fundo eleitoral”, comenta a senadora e procuradora da mulher no Senado Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

Para Grazziotin, as mulheres têm travado uma luta muito grande para aumentar a presença das mulheres na política: “Não é uma luta qualquer, pois é estratégica para as mulheres, e de modo nenhum é fácil, pois depende de reverter o círculo vicioso que se criou em desfavor das mulheres, já que os homens são maioria e têm que ser convencidos a mudar um sistema que lhes favorece” disse. A senadora ainda lembra que essa vitória das mulheres veio de uma decisão do Judiciário e que foi um “grande alento que a luta das mulheres por mais espaço na política recebeu nos últimos anos”.

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O MDB, partido com a maior representação no Congresso Nacional e que fica com a maior fatia do Fundo Eleitoral, não responde na sua resolução entregue ao TSE a nenhum dos parâmetros de transparência definidos pela Gênero e Número.

A legenda  cumpre somente a obrigação legal de assumir o compromisso da distribuição – dos R$ 234 milhões que lhe cabem, mais de R$ 70 milhões, no mínimo, devem ir para as mulheres do partido.

O MDB decidiu deixar sem reserva de recursos públicos do fundo eleitoral as campanhas do seu candidato à Presidência da República, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, e dos candidatos a governador nas eleições 2018. Na resolução, a comissão executiva nacional estabelece que a distribuição do recurso para as mulheres deve ser discutida com representantes do MDB Mulher e com os diretórios estaduais para posteriormente ser decidida pela Direção Nacional do MDB.

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Já no PT, partido a receber a segunda maior fatia dos recursos do Fundo Eleitoral, o único critério de transparência cumprido entre os quatro definidos pela Gênero e Número foi a declaração dos valores por candidato. Pela fórmula apresentada na resolução, a campanha presidencial, que conta com a “chapa triplex”, de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com Fernando Haddad (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB), será contemplada com, pelo menos, R$ 45 milhões dos R$ 212 milhões destinados ao partido. Os candidatos à Câmara dos Deputados receberão R$ 74,3 milhões, os candidatos a governador R$ 31,8 milhões, as candidaturas ao Senado, R$ 25,4 milhões, e as campanhas às assembleias legislativas, R$ 10 milhões. Na resolução  do PT não são declarados os critérios para a distribuição dos 30% para candidaturas femininas.

“Estamos na batalha que todas as mulheres devem estar nos partidos, de fazer com que o dinheiro fique de fato para as mulheres. Nossas candidatas são candidatas reais, que passaram por um processo coletivo de pensar organização das mulheres, planejamento de campanhas desde maio chamado Elas por elas.” comentou Anne Karolyne Moura, presidente da Secretaria Nacional  de Mulheres do PT à Gênero e Número.

Segundo Moura, para a distribuição do Fundo Eleitoral para as mulheres, foram direcionados principalmente os recursos para as campanhas de deputadas federais e estaduais, sendo que, como a prioridade da legenda para todos os setores  é de aumentar a bancada federal, as candidatas federais recebem um olhar específico da secretaria. O PT têm 240 mulheres candidatas a deputadas estaduais e 125 federais.

Ainda não foram decididos os valores que cada candidata receberá no partido, mas a distribuição dos recursos será feita através de cinco grupos de prioridades, de forma decrescente; o primeiro grupo é de candidatas a reeleição; o segundo de candidatas com competitividade para se eleger; o terceiro, de candidatas com projeção para 2020; o quarto de candidatas específicas de setoriais ou áreas de atuação e o quinto grupo é o geral.

Anne Karolyne Moura, secretária nacional de mulheres do PT / Foto: Divulgação/PT

Entre os 10 mais robustos, outros partidos “pouco transparentes” nos critérios de distribuição do dinheiro na resolução entregue ao TSE foram o PSDB, PSB e PRB. Todos eles declaram na resolução como distribuiriam o valor total do Fundo Eleitoral. E foram os únicos a fazer isso. Os demais partidos declararam utilizar um valor inferior ao total do fundo eleitoral nas suas resoluções.

Os partidos que não tiveram nenhuma transparência segundo os critérios da Gênero e Número foram o PP, PR, DEM e PDT. O PSD foi o partido que apresentou uma transparência razoável ao declarar os valores por candidatas/os e a divisão por Estado.

Para Luciana Lóssio, advogada e ex-ministra do TSE, “os partidos assumirem  o comprometimento dos 30% com a Justiça Eleitoral já é um grande passo”.  Por conhecer muito bem a dinâmica pré-eleitoral, as máquinas de campanha e o funcionamento de grandes partidos, ela é cética sobre a possibilidade de as legendas explicitarem desde já como, quanto e quais recursos irão para cada candidato: “O TSE não tem como exigir mais dos partidos nesse momento. O que eles tinham  que fazer – e foi feito por todos – foi assumir o compromisso de 30% para candidaturas femininas. Assumido isso  com a justiça eleitoral, eu não vejo como deixariam de fazer”, diz Lossio, demonstrando otimismo.

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PSOL

Apesar de não estar entre os 10 partidos que vão receber mais dinheiro do Fundo Eleitoral, a resolução sobre a utilização do Fundo Especial de Financiamento de Campanha do PSOL atende aos todos os critérios de transparência. O partido deve destinar, no mínimo, R$ 6 milhões dos R$ 21 milhões para candidaturas femininas.

O partido também declara  a utilização dos 30% dos recursos ás mulheres afirmando que devem ser destinados a deputadas federais, distritais e estaduais para candidaturas de mulheres. Além disso, o PSOL declara quanto vai destinar para as candidatura de duas mulheres que estão buscando reeleição e que são “puxadores de votos para o partido” – a deputada estadual Luciana Genro (PSOL- RS) e a deputada federal Luiza Erundina ( PSOL – SP), que ficam com R$ 104 mil e R$ 299 mil, respectivamente.

A legenda também estabelece regras de uso dos recursos que contemplem com prioridade as candidaturas de negros e negras, indígenas e lgbts, de acordo com a realidade local.

Caso das candidatas a vice

Anne Karolyne Moura comenta que um problema que os partidos estão enfrentando na distribuição dos recursos é o fato do TSE ter deixado em aberto a destinação de recursos a candidatas a vice, tanto para as chapas de governo do estado quanto às chapas para presidência. “Para nós era fundamental que o TSE desse uma posição sobre a questão da distribuição dos 30% do Fundo destinado às campanhas femininas das vices, mas como o Tribunal não deu nenhum parecer, nós dividimos com as vice candidatas os valores. E não estávamos contando com isso”, disse,  A decisão é uma conquista muito importante, mas a falta de parecer e regras do tribunal faz com que tenhamos dificuldades na distribuição”

Como o número de mulheres nas chapas de governo do estado e nas chapas à presidência bateu o recorde nessas eleições, os partidos e juristas têm chegado a impasses e diferentes interpretações sobre a norma. A divergência seria se o percentual poderia ser destinado a qualquer tipo de candidatura feminina, seja ela majoritária e proporcional ou só a candidaturas proporcionais, que é o caso de deputados estaduais e distritais, federais e vereadores. E se todo o dinheiro do Fundo Eleitoral poderia ser direcionado para as candidaturas de vice-candidatas. A Gênero e Número já tratou do crescimento de mulheres candidatas a vice-presidência –  cinco mulheres estão nas  chapas majoritárias.

Para a ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, a razão de ser da norma é permitir o ingresso de mais mulheres na política, e isso implica distribuir os recursos por algumas candidatas que sejam viáveis. Não seria razoável canalizar todo o recurso para uma única candidata. “Porque fazendo isso, não se estará atingindo a razão de ser da norma. A forma mais adequada de implantar essa política afirmativa é a distribuição dos recursos entre várias mulheres dos partidos”, opina.

A ex-ministra do TSE e advogada Luciana Lóssio é otimista sobre o cumprimento dos 30% para mulheres nos partidos. Foto: Divulgação/TSE

Acompanhamento e fiscalização

Para acompanhar o cumprimento da regra que determina o repasse de dinheiro às candidaturas, o Ministério Público e a justiça devem fiscalizar a distribuição do Fundo Eleitoral para mulheres quando houver prestação de conta. Organizações da sociedade civil também  já estão se articulando para, por meio de um observatório, acompanhar e fiscalizar como essa distribuição ocorrerá.

“Como esta é a primeira eleição que ocorre sob estas regras, a análise de como tudo se passou em cada partido é um elemento obrigatório para a gente, inclusive, tentar elaborar projetos de lei para aperfeiçoar o processo, com garantia legal, quem sabe, até para haver uma representação mais equitativa de gênero na própria executiva dos partidos”, pontua a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Ela conta que desde o início desse processo, a bancada feminina tem pautado a necessidade de instituir algo como um observatório das eleições, focado na questão da aplicação do fundo.

Os critérios adotados pela Gênero e Número para análise da transparência dos partidos sobre a distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral foram feitos pela doutoranda em ciência política Natália Leão levando em conta aspectos de distribuição do dinheiro para mulheres, candidatos/as, por estado e declaração dos valores totais do Fundo Eleitoral.

*Vitória Régia da Silva é jornalista e colaboradora da Gênero e Número

Mais sobre Política 2018: https://www.generonumero.media/politica-2018/

Contato: https://www.generonumero.media/contato/

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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