Foto: Divulgação/Seap-MG

Como os Estados brasileiros prendem as mulheres

Prisão preventiva infla número de mulheres encarceradas no Brasil, o quinto maior do mundo; distorção da medida não é exclusividade brasileira, afirma pesquisadora

Por Rachel Costa*

Carolina de Assis

  • Desencarceramento já é pauta nacional

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Condenadas antes mesmo do julgamento. Essa é a situação de pelo menos  ⅓ das mulheres presas no Brasil, que cumprem prisão preventiva, segundo dados do Ministério Público de 2016 analisados pela Gênero e Número. A medida é prevista no artigo 312 do Código Penal, mas deveria ser aplicada como medida excepcional, o que não condiz com a alta proporção de mulheres em prisão preventiva no país.

A depender do Estado brasileiro, a prisão preventiva pode representar até 87% do total de mulheres no sistema penitenciário estadual, como é o caso de Sergipe, onde os outros 13% das presas estão no regime fechado. Os regimes aberto ou semiaberto ficam bem para trás.

No Mato Grosso do Sul, Estado com a maior proporção de mulheres cumprindo pena no país, com 49 a cada 100 mil habitantes, 74% delas estão em regime fechado, mostram dados da secretaria estadual. Em alguns Estados, como o Pará e o Alagoas, a taxa de presas no regime fechado chega à casa dos 90% do total. Apenas esse regime supera a preventiva na média nacional.

“Muitas dessas prisões preventivas decorrem da invasão de domicílio praticada pela polícia sem qualquer mandado judicial, de flagrantes forjados, de revista vexatória em mulheres – o que é uma prática ilegal e inconstitucional –, de agressões policiais. Enfim, uma série de situações que mostram que a prisão foi ilegal”, avalia a pesquisadora Nina Cappello do programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), organização responsável pelo relatório Mulheres Sem Prisão, lançado em março deste ano.

A distorção da função da prisão preventiva não é exclusividade brasileira. Catherine Heard, diretora do World Prison Brief, um dos principais levantamentos internacionais sobre população carcerária no mundo, conta que o recurso é comum em toda a América Latina. A região viu um aumento de mais de 60% nesse tipo de prisão desde 2000, enquanto em outras partes do mundo, como na Europa, a tendência tem sido de redução no número de prisões preventivas.

“Essas altas taxas indicam sistemas judiciários fracos e com poucos recursos, que impedem que os casos sejam julgados rapidamente. Também são indício de um sistema que falha no respeito a direitos fundamentais, como o direito de não ser arbitrariamente ou indevidamente detido”, analisa a pesquisadora do Instituto de Estudos de Políticas Criminais da Birkbeck, University of London.

Na região, o Brasil é o país latino-americano que mais gasta com o sistema de justiça criminal e atividade policial (3,14% do PIB), segundo dados compilados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).  Entretanto, é o que menos gasta com o sistema prisional em si (0,06% do PIB). “Isso significa que no país gasta-se muito para manter um sistema que prende – vide, por exemplo o salário de juízes e promotores –, mas muito pouco com as pessoas que são selecionadas para a prisão por este sistema”, analisa Cappello.

O que espera essas mulheres no sistema penitenciário brasileiro, em grande parte dos casos, são unidades com ocupação acima do previsto, sem capacidade de oferecer o apoio necessário às presas. Análise feita pela Gênero e Número a partir de dados do Conselho Nacional do Ministério Público mostrou que 44% das unidades femininas das quais se têm informação está superlotada.

“O baixo índice de atividades ressocializantes acaba por não garantir que a presa tenha oportunidades melhores para se reinserir na comunidade de forma positiva após cumprir a pena e, por isso, nosso índice de reincidência criminal continua muito alto”, explica Adriana de Albuquerque Hollanda, promotora no Distrito Federal.

Desencarceramento já é pauta nacional

Políticas de segurança pública no Brasil não apontam, por hora, para o desencarceramento em massa a curto prazo, apesar de iniciativas e leis terem começado a funcionar na esteira do Plano Nacional de Atenção às Mulheres Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE), como o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) e já estarem impactando o sistema. A alteração do Marco Legal prevê que as mães detidas possam ter a prisão preventiva substituída por prisão domiciliar – homens também têm esse direito, desde que sejam os únicos responsáveis pelos filhos de até 12 anos.

“Espera-se que o fato de mulheres de outras classes sociais terem tido o direito à prisão domiciliar efetivada, enquanto a larga parcela de mulheres mães negras e pobres tem esse direito ignorado, sirva de constrangimento para o Poder Judiciário aplicar a medida de forma igual a todas as mulheres, sem nenhuma restrição, como prevê a lei”, fala Capello.

Para que o número de mulheres nas prisões seja de fato reduzida há desafios que extrapolam a lei. Um deles, por exemplo, diz respeito à prisão domiciliar, sistema que atualmente requer as tornozeleiras eletrônicas. Embora custem em média R$ 300, seguem escassas em muitas partes do país. “No Distrito Federal elas foram disponibilizadas somente no último mês de setembro”, afirma Hollanda, que tem esperança de que, com o equipamento, haja um incentivo para o cumprimento do que se prevê no Marco Legal da Primeira Infância.

A Gênero e Número solicitou ao Ministério da Justiça dados sobre recursos direcionados ao sistema penitenciário para a manutenção ou investimento em presídios femininos. O órgão limitou-se a informar que o orçamento de 2017 prevê o investimento de aproximadamente R$ 118 milhões para a construção de 4 mil vagas em unidades femininas e outros R$ 2,5 milhões para o aparelhamento de salas de amamentação e brinquedotecas em estabelecimentos prisionais em 24 Estados. Não foi informado se a execução do recurso inclui vagas nos regimes semiaberto ou aberto.

A pesquisadora Catherine Heard conta que desde a primeira edição do estudo World Prison Brief, em 2000, houve uma tendência global no aumento do número de mulheres encarceradas. Enquanto o número de homens encarcerados subiu 18%, o de mulheres cresceu mais de 50% em todo o globo – já no Brasil, de acordo com dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) o aumento da população prisional feminina no período de 2000 a 2016 foi de 800%.

Sobre o aumento global, Heard explica que as razões podem ser sintetizadas em três grandes questões: “Políticas de tolerância zero em relação às drogas têm levado muitas mulheres para a prisão por crimes relativamente pequenos, incluindo a posse de drogas para uso pessoal”, diz ela. “Outro fator é o aumento em vários países do rol daquilo que se considera crime passível de prisão, com a inclusão de pequenos delitos, como furtar produtos em lojas ou não pagar multas. Por último, em muitos lugares as sentenças têm se tornado mais longas”.

No caso brasileiro, o tráfico tem papel preponderante no encarceramento feminino, ocupando o topo do ranking das razões pelas quais mulheres são condenadas. Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014 mostram que 61% das mulheres no sistema prisional foram condenadas por tráfico de drogas. No Mato Grosso do Sul, que tem a maior proporção no país de mulheres encarceradas, o problema chega a responder por 85% das condenações, de acordo com informações da secretaria estadual.

*Rachel Costa é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.

Mais sobre Mulheres encarceradas: https://www.generonumero.media/edicao-07/

Contato: https://www.generonumero.media/contato/

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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