Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Com que contraceptivo eu vou?

Contraceptivos falham. Essa verdade, que deveria ser universalmente conhecida, acaba ofuscada no debate público sobre o direito ao aborto. Conheça as taxas de falha dos métodos contraceptivos disponíveis no SUS e saiba como escolher o melhor para você

  • DIU de cobre

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  • Anticoncepcional injetável mensal e trimestral

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  • Anticoncepcional oral (pílula e minipílula)

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  • Preservativo masculino e feminino

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  • Diafragma

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  • Pílula do dia seguinte (contraceptivo de emergência)

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  • Esterilização cirúrgica

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É um argumento recorrente de quem se opõe à legalização da interrupção voluntária da gravidez que uma gestação indesejada é consequência de “irresponsabilidade” da mulher. É uma ideia que se baseia em duas premissas: 1. de que a mulher é a única responsável pela contracepção; 2. de que o uso de contraceptivos é o suficiente para evitar uma gravidez indesejada.

Enquanto a primeira se funda na percepção assimétrica das responsabilidades de mulheres e de homens em relação à sexualidade e à parentalidade, a segunda só pode se justificar pelo desconhecimento sobre o funcionamento dos métodos contraceptivos e sua eficácia. A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que, no Brasil, 79,7% das mulheres que têm entre 15 e 49 anos fazem uso de algum método contraceptivo. Ainda assim, 55% das gestações no país não são planejadas, conforme apontou a pesquisa Nascer no Brasil (2014), que entrevistou quase 24 mil mulheres logo após o parto nas cinco regiões do país.

A Gênero e Número mergulhou nos dados disponíveis sobre os contraceptivos oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e ouviu especialistas para ajudar você a escolher o método mais adequado para as suas necessidades e seu estilo de vida. E também para refutar o argumento de que uma gravidez indesejada só pode ser resultado de uma prática sexual sem proteção.

 

Taxa de falha DIU de cobre

 

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DIU de cobre

O DIU (sigla para dispositivo intrauterino) TCu 380, ou DIU de cobre, é o método contraceptivo disponível no SUS com a menor taxa de falha: até 0,9% se colocado corretamente, segundo a OMS. O DIU é inserido no útero em um procedimento ambulatorial e consiste em um dispositivo composto por plástico e cobre que impede o encontro entre o espermatozóide e o óvulo. Ele pode permanecer no útero por até 10 anos, sem perder sua eficácia. Entre os efeitos adversos possíveis do DIU estão o aumento de cólicas e do fluxo menstrual.

O Ministério da Saúde disse à Gênero e Número que está ampliando o acesso ao DIU de cobre no SUS e que está previsto o investimento de R$ 12 milhões para a compra do dispositivo e sua distribuição nas unidades de saúde esse ano. A pasta não respondeu, porém, ao ser questionada sobre a queda de 80% no número de procedimentos ambulatoriais anuais para implantação do DIU no SUS entre 2008 e 2017: de 165.618 há dez anos para 31.887 no ano passado, segundo dados do Datasus.

 

Taxa de falha anticoncepcional injetável

 

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Anticoncepcional injetável mensal e trimestral

O anticoncepcional injetável tem taxa de falha de até 3% em seu uso habitual, segundo a OMS, o que significa que até três mulheres a cada 100 podem engravidar no primeiro ano de uso deste método. Isso porque a injeção deve ser tomada a cada mês ou a cada três meses na data estipulada de retorno, e atrasos nas doses subsequentes podem influir na eficácia do anticoncepcional.

A injeção de hormônio – que pode ser progesterona isolada ou uma combinação de progesterona e estrogênio – inibe a ovulação e aumenta a viscosidade do muco cervical dificultando a passagem dos espermatozóides. Entre os efeitos adversos possíveis estão sangramento irregular, aumento de peso e alterações de humor.

Taxa de falha pílula anticoncepcional

Taxa de falha mini pílula

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Anticoncepcional oral (pílula e minipílula)

A pílula anticoncepcional é o método contraceptivo mais usado pelas brasileiras, com sua prevalência chegando a 28,2% das mulheres entre 15 e 49 anos, segundo estudo baseado na mais recente Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), do Ministério da Saúde, realizada entre 2013 e 2014. Apesar de sua popularidade, o uso habitual da pílula apresenta uma taxa de falha de 8%, segundo a OMS – o que significa que até oito entre 100 mulheres podem ficar grávidas no primeiro ano de uso da pílula.

Assim como os anticoncepcionais injetáveis, as pílulas consistem em progesterona isolada (minipílula) ou uma combinação de progesterona e estrogênio e atuam inibindo a ovulação e alterando as características físico-químicas do endométrio e do muco cervical para dificultar a passagem do espermatozóide, como explica o manual técnico do Ministério da Saúde sobre assistência em planejamento familiar. Sua eficácia depende de sua ingestão diária no mesmo horário e da não ocorrência de transtornos gastrointestinais como vômito e diarreia, que podem influir na absorção dos hormônios pelo corpo.

Os efeitos adversos possíveis são os mesmos do anticoncepcional injetável, mais náusea e mal estar gástrico. A pílula também pode aumentar as chances de as mulheres que a usam, especialmente as fumantes, virem a ter trombose, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto.

Taxa de falha preservativo masculino

Taxa de falha preservativo feminino

Preservativo masculino e feminino

O preservativo, tanto o masculino quanto o feminino, é o único método contraceptivo que, além de evitar a gravidez indesejada, também protege contra a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Por isso, o Ministério da Saúde recomenda seu uso em conjunto com outros métodos contraceptivos. O preservativo é um método de barreira que impede o encontro entre o espermatozóide e o óvulo e o contato entre o pênis e a mucosa vaginal. Ainda assim, sua taxa de falha pode chegar a 15% no caso do preservativo masculino e 21% no feminino, o que significa que entre 15 e 21 pessoas a cada 100 podem experimentar uma falha do método, segundo a OMS.

A eficácia do preservativo está ligada tanto às condições de armazenamento a que é submetido quanto ao uso correto, com a colocação adequada no pênis ou na vagina. Recentemente, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos se viu obrigado a alertar a população norte-americana a não lavar ou reutilizar o preservativo, mas usar um novo a cada relação sexual. Acesse as orientações do Ministério da Saúde sobre como usar a camisinha masculina neste link e clique aqui para aprender a colocar o preservativo feminino.

Entre os possíveis efeitos adversos do preservativo estão alergia ao látex ou ao lubrificante em sua composição e irritação vaginal devido à fricção.

 

Taxa de falha diafragma

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Diafragma

O diafragma também é um método de barreira e consiste em um anel flexível coberto por uma membrana de látex ou silicone que é colocado na parte superior da vagina para impedir o contato entre o espermatozóide e o óvulo. No entanto, não evita a transmissão de ISTs como o preservativo, e sua taxa de falha chega a 20%, segundo a OMS – até 20 em cada 100 mulheres que usam o diafragma podem ficar grávidas no primeiro ano de utilização do método.

Existem diafragmas de diversos tamanhos e a medição do mais adequado para cada mulher deve ser feito por um profissional de saúde, que também deve instruir sobre seu uso adequado. Segundo o Ministério da Saúde, o diafragma deve ser inserido na vagina minutos ou horas antes da relação sexual ou pode ser usado de forma contínua, sendo retirado uma vez ao dia para ser lavado e recolocado. Também deve ser retirado durante a menstruação. Após a relação sexual, é recomendado que se aguarde pelo menos seis horas para retirá-lo da vagina.

Entre os possíveis efeitos adversos do uso do diafragma estão irritação da vagina ou pênis, reação alérgica ao látex ou ao silicone em sua composição e aumento da frequência de infecções do trato urinário.

 

Taxa de falha pílula do dia seguinte

 

Pílula do dia seguinte (contraceptivo de emergência)

A contracepção de emergência, a chamada pílula do dia seguinte, é um método hormonal recomendado para evitar a gravidez após uma relação sexual desprotegida. Ela deve ser ingerida até 72 horas depois da relação e atua adiando a ovulação para diminuir as chances de encontro entre o óvulo e o espermatozóide. Caso este encontro já tenha acontecido, a pílula de emergência não tem nenhum efeito, não interrompendo uma gestação em andamento. Segundo o Ministério da Saúde, ela previne a gravidez em 75% dos casos que ocorreriam caso a pílula não fosse usada, o que significa que a taxa de falha pode chegar a 25 em cada 100 mulheres que fazem uso da pílula do dia seguinte.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Saúde, órgão ligado ao governo de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Estudos em População da Unicamp em 2015 e divulgada em agosto constatou que 50,9% entre 15 e 44 anos do município de São Paulo já usaram o contraceptivo de emergência pelo menos uma vez. Na faixa de 20 a 29 anos, esse índice chega a 67%.

Esterilização cirúrgica

A laqueadura tubária e a vasectomia, os dois procedimentos cirúrgicos de esterilização disponíveis no SUS, também apresentam taxa de falha, embora muito menor do que a de outros métodos contraceptivos. Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de falha para a primeira é de 0,5% e para a segunda, 0,1%. Os dois procedimentos consistem na obstrução de canais por onde passam o óvulo – as trompas – e os espermatozóides – os canais deferentes -, impedindo a fecundação.

Segundo a lei 9.263/1996, os dois procedimentos só podem ser realizados pelo SUS em mulheres e homens acima de 25 anos ou que tenham pelo menos dois filhos vivos. Também é necessária a autorização do cônjuge tanto para o homem quanto para a mulher que queira se submeter à esterilização cirúrgica.

A laqueadura é o segundo método contraceptivo mais frequente no Brasil, com 21,4% de prevalência entre mulheres de 15 a 49 anos, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mais recente, realizada em 2013. Entre 2008 e 2017, o SUS realizou 260.396 vasectomias, enquanto as laqueaduras foram 623.093 (contando também as laqueaduras pós-parto cesariano).

A enfermeira Andreza Nakano, especialista em saúde reprodutiva e pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira (IFF), da Fiocruz, observa que essa diferença na frequência de laqueaduras e vasectomias deve ser analisada “pela lente das relações de gênero”. “Recai sobre a mulher uma importante atribuição e carga de se responsabilizar pelo controle da fecundidade, dela como indivíduo e, quando for o caso, do casal”, disse à Gênero e Número. “Pela sua popularidade e associação ao entendimento de finalização de um ciclo na vida da mulher,a laqueadura é mais realizada do que a vasectomia pelo entendimento de que é o corpo da mulher o responsável pela regulação da fecundidade.”

A médica de família Daniela Donação Dantas, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, também nota que “há ainda pouca discussão com homens cis a respeito de paternidade e maternidade. Os assuntos da reprodução ficam restritos às mulheres cis normalmente, como se fosse uma coisa feminina ou como se só impactasse a vida das mulheres.” Para ela, também há “muitos preconceitos sobre se fazer uma vasectomia”. “Eu diria que a mulher cis que procura um serviço para realizar laqueadura pode estar em duas situações: o companheiro não quer realizar vasectomia por diversos motivos ou ela tem certeza que não quer mais gestar e sabe que as consequências de uma gravidez recairão principalmente sobre seu corpo e entende esses riscos.”

Outro indício do peso do gênero na contracepção é o fato de que há muitos mais métodos contraceptivos desenvolvidos para pessoas com vagina e útero – genitais identificados com o gênero feminino – do que para pessoas com pênis e testículos – genitais “masculinos”. Nakano comenta que a medicina reprodutiva, ao longo do século 20, teve o corpo da mulher como “objeto de intervenção”. “Esse investimento em tecnologias que intervêm no corpo da mulher não se pautam exclusivamente em uma distinção biológica, que justificaria uma busca pela supressão de óvulos e menos dos espermatozóides; esse investimento demarca também como se configuram as relações de gênero na sociedade”, afirma.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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