Coletivo Juntas quer uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco | Foto: Divulgação

Por novos modelos de mandato e de ação política, candidaturas coletivas despontam no Brasil

Novos modelos de candidatura se apresentam em 2018 para Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado; homens ainda são maioria entre porta-vozes das 15 iniciativas mapeadas pela Gênero e Número

Por Nana Soares*

Carolina de Assis

  • Iguais, mas diferentes

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  • Chapas de mulheres

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Candidaturas coletivas que despontam para as eleições de outubro miram numa nova forma de eleger representantes do povo. Grupos espalhados por cidades de várias regiões do país propõem modelo de candidatura e de mandato em que várias pessoas dividem as funções e até mesmo o salário de uma única cadeira. Nesse modelo, quando o eleitor aperta um número na urna eletrônica, ele vota em um grupo de pessoas, e não somente naquela representada na foto e registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

“É uma maneira de representar nossos corpos, nossos diversos lugares de luta”, disse Carol Vergolino, uma das cinco integrantes da candidatura Juntas, que tenta uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco pelo PSOL e é formada somente por mulheres. “Trazemos um leque de memórias e lugares que, juntos, falam mais e chegam mais longe.”

As candidaturas coletivas se colocam para diferentes cargos legislativos no próximo pleito: deputado distrital, estadual, federal e até o Senado. Para a doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Daniela Rezende, as candidaturas coletivas concentram-se no Poder Legislativo pela própria configuração do sistema eleitoral. “As eleições legislativas são proporcionais e a magnitude dos distritos (ou o número de vagas em disputa) é maior que um. As eleições para o Executivo são majoritárias e o número de cadeiras é menor”, avalia. O Senado, embora parte do Legislativo, também tem eleição majoritária – leva quem tiver mais votos – e oferece no máximo duas vagas por pleito.

A Gênero e Número apurou que, em 2018, há pelo menos 15 candidaturas coletivas em curso pelo país, embora algumas dessas ainda estejam se formando. Elas têm em comum o discurso de mudar a forma que se pensa e se faz política no Brasil e de aumentar a representatividade e a diversidade dos eleitos, mas a forma de fazer isso está longe de ser um consenso: alguns representantes desses grupos clamam por democracia participativa, como o Mandato Coletivo de São Paulo, outros pelo voto distrital, como o Conjunto 40, no mesmo Estado.

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Algumas candidaturas são exclusivamente formadas por mulheres, como a Juntas; outras prezam pela diversidade de gênero, como a Bancada Ativista, em São Paulo, ou pela equidade numérica entre homens e mulheres, como o Mandato Coletivo, no Distrito Federal. Algumas pensam em dividir os salários igualmente, como o Gabinetão do Povo, no Ceará; outras pretendem usar a tecnologia para atrair codeputados aos milhares, como o Movimento Mandato Colaborativo Real, no Rio de Janeiro e no Ceará. Também é comum que entre os cocandidatos estejam membros de grupos ainda excluídos dos espaços institucionais da política brasileira, como indígenas, pessoas transgênero e de gênero não-binário, como o Muitas, em Minas Gerais.

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A professora da UFV acompanha o trabalho do Muitas (PSOL-MG), grupo que tenta 12 cadeiras, distribuídas entre Assembléia Legislativa e Câmara dos Deputados, nas próximas eleições. No vídeo de divulgação da campanha de financiamento coletivo, os candidatos fazem campanha para outros candidatos do grupo, e não para si próprios. Na visão de Daniela, o objetivo é ressignificar a lógica do sistema eleitoral, que usualmente levaria à competição entre eles. “Me parece que a lógica é de um projeto compartilhado e também uma estratégia para eleger pelo menos uma candidata, porque ainda que votemos em pessoas, nosso voto conta para a definição de quantas vagas cada partido/coligação terá direito. Ou seja, votando em uma candidata específica, o voto contribui para o quociente partidário e para a definição do número de pessoas que cada partido/coligação elegerá”, observa.  

A inspiração de muitas das chapas coletivas veio da cidade de Alto Paraíso de Goiás. Lá, em 2016, cinco pessoas elegeram-se para uma única vaga na Câmara Municipal e vêm desde então dividindo o mandato, nesta que é considerada a primeira experiência do tipo no Brasil. Em maio passado, membros de oito partidos e 18 movimentos sociais reuniram-se em São Paulo para a formação do Fórum Nacional de Candidaturas Coletivas. Eles comunicam-se por meio de um grupo de WhatsApp com quase cem pessoas.

O Mandato Coletivo de São Paulo quer uma cadeira na Câmara dos Deputados | Foto: Divulgação

Iguais, mas diferentes

“A política não pode continuar como é feita hoje, com o individual prevalecendo sobre o coletivo. A candidatura coletiva prega o inverso disso”, diz Silvio Cabral, um dos representantes do Mandato Coletivo, grupo da região de Cotia, no interior de São Paulo, que almeja uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSOL. O discurso é similar ao da maioria das candidaturas coletivas, que sempre destacam a urgência de um novo modelo com ênfase no coletivo e na maior participação das bases.

A legislação brasileira não prevê esses casos, mas também não traz nenhuma proibição explícita às candidaturas coletivas. Os cocandidatos podem até fazer o trabalho coletivamente, mas têm que escolher uma pessoa para ser o porta-voz da candidatura, que é quem terá sua foto na urna eletrônica. Em geral, os grupos têm acordos e contratos assinados internamente para garantir que o mandato será de fato coletivo. No caso do grupo do interior de SP, Cabral é o porta-voz de cinco cocandidatos, mas se eleito não poderá nem ir a plenário sozinho, estando sempre acompanhado de outros dois membros na tomada de decisão. O grupo pensa ainda em usar ferramentas digitais, como aplicativos, para aumentar o número de pessoas aptas a decidir os rumos do mandato.

O Mandato Coletivo do Distrito Federal postula o cargo de deputado distrital | Foto: Sabrina Fernandes

Essa ideia é compartilhada pelo Movimento Mandato Colaborativo Real (MMacor), cuja estrutura difere da maioria das candidaturas coletivas mapeadas. O grupo vai lançar três candidaturas: no Rio de Janeiro, Nega Gizza e Anderson Quack concorrem pelo PSOL a deputados estadual e federal, respectivamente, e no Ceará, Preto Zezé tenta uma vaga na Assembleia Legislativa pelo PCdoB. As pré-candidaturas cariocas já estavam consolidadas quando Quack, Gizza e Celso Athayde, este último coordenador da campanha dos dois, tiveram a ideia de dar poder de decisão a mais pessoas durante o mandato. “Concluímos que o eleitorado está cansado de escutar os candidatos falando aquele monte de propostas que por vezes nunca são cumpridas. Então entendemos que queríamos ouvir do eleitorado quais as propostas, e batalhar para botá-las em prática. Desse papo surgiu o MMacor”, explicou Quack.

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Para o MMacor, todos os colaboradores das campanhas – que segundo a iniciativa são cerca de 12 mil pessoas, definidas como todas aquelas que estão trabalhando em prol das candidaturas – serão considerados codeputados caso os candidatos tenham sucesso nas urnas. Através de uma plataforma digital, os coparlamentares decidirão os rumos do mandato e o eleito deve defender em plenário o voto decidido pela maioria, ainda que seja contra sua orientação ideológica pessoal. A meta é reunir 100 mil codeputados até o fim do ano.

O Conjunto 40, grupo do PSB que vai tentar 16 candidaturas em São Paulo para a Assembleia estadual, a Câmara dos Deputados e o Senado, opera em “esquema de pirâmide”: os quatro porta-vozes das candidaturas a deputado estadual são cocandidatos nas candidaturas para deputado federal. Por sua vez, os porta-vozes das candidaturas para a Câmara dos Deputados formam a cocandidatura para o Senado. Para César Santos, que é um dos cocandidatos ao Senado, essa é uma forma de aumentar o vínculo entre as candidaturas e fortalecer o grupo. O objetivo do Conjunto 40, a longo prazo, é validar o voto distrital, que o grupo acredita ter o poder de reaproximar a política das pessoas. Santos, que também é responsável pelo Fórum Nacional das Candidaturas Coletivas, diz que “a expectativa é polarizar as eleições, com a candidatura coletiva de um lado e a tradicional de outro, opondo os dois modelos. A ideia é até mesmo formar uma nova bancada no Congresso”.

Gabinetão do Povo, no Ceará, quer cadeira na Assembleia Legislativa | Foto: Divulgação

Chapas de mulheres

A disputa para o Senado em São Paulo terá ainda outra candidatura coletiva: é o Conjunto 18, formado por três mulheres e que sai filiado à Rede Sustentabilidade. Nilza Camillo, Ana Paula Massonetto e Beatriz Soares pretendem fazer um rodízio na titularidade e uma gestão compartilhada horizontal. Elas, que se recusam a se classificar como direita, esquerda ou centro, prometem uma gestão com políticas públicas implementadas “com e para os movimentos sociais e pautadas em inovações (muito diagnóstico e benchmarking)”. O grupo se uniu em 2017 com o objetivo de iniciar uma proposta de longo prazo para a política do país e coloca como missão transformar a política e “fortalecer a voz do povo em rede através da democracia participativa”.

Outra candidatura formada apenas por mulheres, o coletivo Juntas, de Pernambuco, chama a proposta de candidaturas coletivas de “revolucionária”. Elas acreditam que cinco apostas isoladas para a Assembleia Legislativa do Estado não teriam a mesma força, e apostam que dividir o mandato cobre outros objetivos: além de suavizar as dificuldades vividas pelas mulheres na política, traz mais representatividade nos espaços institucionais.

A experiência do Juntas, que tem uma análoga em São Paulo no Mandato Coletivo Feminino, é inspirada pela Gabinetona, uma experiência de coletividade instaurada na Câmara Municipal de Belo Horizonte em 2016, mas com uma diferença importante: as vereadoras Áurea Carolina e Cida Falabella elegeram-se separadamente pelo PSOL e depois de eleitas constituíram um único gabinete. “Nosso lema era ‘votou em uma, votou em todas’. Entendíamos que não fazia sentido separar o mandato em uma instituição que é dominada por homens e grupos conservadores”, diz Carolina, que foi a vereadora mais votada da cidade naquela eleição. Ela agora tenta uma vaga na Câmara dos Deputados. O modelo é o mesmo que a elegeu em Belo Horizonte: candidaturas individuais (12, sendo sete para deputado estadual e cinco para deputado federal) com a proposta de um mandato coletivo.

*Nana Soares é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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