Somente em Minas Gerais três candidatas do Avante sem votação em 2016 estão concorrendo novamente pelo partido

Dos 35 partidos que disputam as eleições, 25 apresentam candidaturas com zero ou um voto em 2016

Levantamento realizado pela Gênero e Número mostra que, de 82 candidaturas com até 1 voto em 2016, 61 são mulheres; a votação zerada é um indício das chamadas candidaturas laranjas

Por Maria Martha Bruno e Álvaro Justen*

Giulliana Bianconi

  • Receita da competitividade: reuniões e “dobradinhas” com homens

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A gente apela para que as mulheres queiram ser candidatas, porque, se não preencher a cota [de gênero], você não inscreve os homens”. O presidente do PMN (Partido da Mobilização Nacional) no Amazonas, Marco Antonio Souza Costa, é claro. No Estado, duas das candidatas do partido à vereança em 2016 com nenhum ou apenas um voto voltarão às urnas este ano, em busca de vagas como deputadas estaduais e federais. Casos como esses, que configuram possíveis laranjas reincidentes, se aplicam a 82 candidatos a cargos proporcionais em 2018, segundo levantamento realizado pela Gênero e Número a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Enquanto 21 deles são homens postulantes a deputados federais, estaduais e distritais, há 61 candidatas nessa situação – quase três vezes mais mulheres do que homens.

Dos 35 partidos que disputam as eleições este ano, 25 apresentam candidaturas de pessoas que tiveram zero ou um voto em 2016. Naquela eleição, 14.498 candidatas não obtiveram sequer um voto, o que equivale a 10% do total de mulheres que tentaram uma vaga nas Câmaras Municipais, segundo levantamento realizado pela Gênero e Número à época. A votação zerada é um indício das chamadas candidaturas laranjas; no caso das mulheres, inscritas nas eleições para que os partidos possam cumprir  a cota de gênero, estabelecida por lei em 2009. Ela determina um mínimo de 30% e máximo de 70% de candidatos de cada sexo nas eleições proporcionais.

 

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Receita da competitividade: reuniões e “dobradinhas” com homens

Em 2018, os líderes do ranking das possíveis laranjas reincidentes são o Avante e o PSOL – o primeiro com seis mulheres e dois homens, e o segundo com cinco mulheres e três homens. Somente em Minas Gerais três candidatas do Avante sem votação em 2016 estão concorrendo novamente pelo partido. Todas já tiveram o registro indeferido pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Estado, por não apresentarem documentos como cópia da identidade e comprovante de escolaridade.

Um dos dirigentes do Avante-MG, que se apresentou à Gênero e Número apenas como Doutor Daniel e se recusou a informar seu cargo, negou a prática de incluir candidatas apenas para cumprir a cota de gênero. O Ministério Público Eleitoral informou à Gênero e Número que “eventual investigação se dará em relação ao partido” no caso das três candidatas já indeferidas pelo TRE. Minas Gerais, o maior colégio eleitoral do país (15,7 milhões de eleitores), lidera o ranking de possíveis candidatas laranjas reincidentes em 2018, com 13 nomes, sendo seis mulheres.

Três das candidatas do PSOL que tiveram zero ou um voto nas eleições municipais de 2016 e reaparecem na disputa neste ano estão na Bahia. Segundo Ronaldo Santos, tesoureiro da executiva estadual da legenda, a candidata M.M., de 74 anos, entrou em depressão após a morte de um parente em 2016 e por isso não fez campanha, enquanto a candidata A.F. “teve que viajar às pressas naquele ano, porque teve problema nos rins”. Ambos os casos não justificam a ausência de votos de outros eleitores. A Gênero e Número tentou falar com M.M. através de um colega de partido, Professor Cristiano. O contato foi passado pelo próprio PSOL da Bahia, para que chegássemos a ela. Mas Professor Cristiano, candidato a deputado federal pelo partido, disse que M.M. “preferiu não dar entrevista”.

O MP Eleitoral afirma que não tem como pedir, antes do pleito deste ano, a impugnação de candidaturas que não tiveram votos em eleições passadas, pois não há como prever sua votação dia 7 de outubro. De acordo com o órgão, a fiscalização sobre possíveis candidaturas laranjas depende do recebimento de informações e denúncias de cidadãos. O MPE também verifica “se a pessoa efetivamente é/foi candidata averiguando eventos concretos, como atos próprios de campanha e realização de gastos de campanha eleitoral”.

O cumprimento da cota de gênero é verificado quando as legendas apresentam os DRAPs (Demonstrativos de Regularidade de Atos Partidários), documento com informações para validar o registro das candidaturas, como a data das convenções partidárias e os percentuais de candidatos e candidatas. Os partidos só podem usar homens para substituir candidatas que foram barradas pela Justiça Eleitoral, como no caso do Avante-MG, se não houver violação à cota de gênero. Em caso de candidaturas barradas, as legendas podem ainda apresentar recursos ao TSE e ao STF (Supremo Tribunal Federal), e candidatos podem inclusive concorrer sub júdice, enquanto uma decisão final não for tomada.

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“A gente não faz discriminação, não pensa muito pelo lado de ser competitiva ou não. A eleição passada é passado. Se uma mulher quer ser candidata a gente não vai deixar de colocá-la na chapa novamente porque ela não teve voto”

— Jean Zambonini, gerente de marketing do Patriota

Doutor Daniel, do Avante, disse que “o partido sempre desenvolveu uma política igualitária e de valorização para o incentivo à participação das mulheres nas eleições”, mas não quis explicitar quais seriam as medidas concretas para este fim. Jean Zambonini, gerente de marketing nacional do Patriota, legenda que possui quatro possíveis laranjas reincidentes, também adotou o discurso da igualdade de oportunidades: “A gente não faz discriminação, não pensa muito pelo lado de ser competitiva ou não. A eleição passada é passado. Se uma mulher quer ser candidata a gente não vai deixar de colocá-la na chapa novamente porque ela não teve voto”.

Ao falar sobre o que partidos podem fazer para aumentar a competitividade das candidatas entre uma eleição e outra, os dirigentes deixam transparecer o desequilíbrio que permeia a relação entre gêneros na política. “Elas fazem dobradinhas [candidaturas a deputado federal e estadual promovidas juntas] com homens. E temos ainda o Patriota Mulher, comandado pela Cássia Freire Barroso, casada com o presidente do partido, Adilson Barroso”, disse Zambonini. Ele afirma ainda que, para a legenda, “é mais interessante ter uma candidata forte que um homem. Elas apresentam níveis menores de corrupção. Para a gente fazer um marketing em cima disso é muito mais fácil”.

De volta ao Amazonas, Marco Antonio Souza Costa contou que o PMN realiza reuniões nos municípios e explica o que fazem os cargos no Legislativo, mas diz que as iniciativas não apresentam resultados na mobilização de mulheres para o partido: “Não sei responder por quê. Estou constatando a situação”. Ele disse ainda que, “em sua grande maioria, as mulheres não querem disputar as eleições”. “Talvez por parte dos homens não haja essa dificuldade por razões históricas. O homem costuma estar mais envolvido [com a política]”, afirmou.

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A cientista política do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) Carolina de Paula refuta o argumento do dirigente, que classifica como “uma desculpa qualquer”. Ela aponta a falta de recursos como razão para a competitividade reduzida das candidaturas de mulheres e conta que, em pesquisa realizada em 2010 com presidentes de partidos, observou que legendas menores preferem concentrar seu orçamento em poucas candidaturas, em vez de distribuí-lo: “Isso não democratiza o processo. Há homens que vão para esses partidos porque sabem que o dinheiro é garantido. Em geral, as legendas já têm o nome certo em que vão investir seus recursos”.   

*Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número.

*Álvaro Justen é desenvolvedor, membro das comunidades Python e da Escola de Dados e colaborador na Gênero e Número.

Este conteúdo faz parte do Observatório Brasil 50-50

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Giulliana Bianconi

É jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco, cofundadora e diretora da Gênero e Número. Atualmente também se dedica a pesquisar e a escrever sobre movimentos de mulheres e sobre desigualdades de gênero e raça na América Latina. Possui especialização em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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