Os 57,8 milhões de votos dados a Jair Bolsonaro no último domingo (28/10) chancelaram democraticamente discursos e políticas em ascensão no país. Triunfou a preferência de voto masculina e rica, que apostou na candidatura do PSL. Desde que demonstrou suas intenções de concorrer à Presidência, Bolsonaro já apelava a uma narrativa que fala mais aos segmentos que ajudaram a elegê-lo, segundo apontaram as pesquisas de intenção de voto ao longo da campanha. Já o candidato do PT, Fernando Haddad, manteve a retórica que ajudou o partido a manter a maioria do voto da população de baixa renda e, este ano, também teve mais apelo entre as mulheres.
A Gênero e Número analisou as pesquisas do Ibope publicadas na véspera das três últimas eleições presidenciais. As intenções de votos válidos mostram que, desde 2010, nunca houve tamanha disparidade entre homens e mulheres na preferência pelos candidatos. Se nas vitórias de Dilma Rousseff a diferença de intenção de voto entre gêneros praticamente não aparecia entre os eleitores da candidata do PT e os de José Serra (PSDB, 2010) e Aécio Neves (PSDB, 2014), desta vez o panorama foi bem diferente. A maioria das mulheres (52%) deixou clara sua inclinação por Fernando Haddad na véspera do pleito, enquanto a maior parte os homens ficou ao lado de Jair Bolsonaro (59%).
Para Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia do Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o discurso do novo presidente aponta para um país que será “visto como uma grande família” a partir de 2019. “É o retorno da retórica que apela a valores patriarcais. É a noção patriarcal de família, com uma autoridade centrada em um núcleo, representada pelo homem que estará no poder do país”, analisa. Durante a campanha, o vice de Bolsonaro, General Hamilton Mourão, reforçou esse discurso, ao declarar, em evento dia 17 de setembro em São Paulo, que problemas sociais “atacam eminentemente áreas carentes, onde não há pai nem avô, apenas mãe e avó. E por isso torna-se (sic) realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narco-quadrilhas que afetam nosso país”.
Campos atesta que o modelo da família formada pelo homem, a mulher e seus filhos foi “transposto para a política” por Jair Bolsonaro. “É como se a política precisasse de uma liderança que acaba sendo um homem”. O sociólogo lembra, no entanto, que o presidente eleito conseguiu reduzir sua rejeição entre as mulheres e cresceu entre elas, mesmo após o movimento #EleNão, criado por mulheres, ter levado milhares de pessoas às ruas em vários países em protestos contra Bolsonaro.
O sociólogo avalia que “houve uma moderação do discurso” relacionado a mulheres e aos papéis de gênero na fala do então candidato do PSL nas benevolentes entrevistas televisivas realizadas pela Band e pela Record com Bolsonaro. Nas ocasiões, ele negou reiteradamente as acusações de misoginia, motivadas por diversas declarações depreciativas em relação às mulheres em seus 27 anos de vida pública como deputado federal. Além disso, uma das primeiras peças da propaganda eleitoral gratuita do segundo turno também dava destaque à figura do candidato como “pai de família”, que inclusive se emocionava diante das câmeras ao falar da filha mais nova – aquela que, segundo ele afirmou em abril de 2017, foi fruto de uma “fraquejada”.
Bolsonaro também teve a preferência dos eleitores brancos, assim como Aécio Neves em 2014. Porém, este ano, mais brancos se inclinavam a votar no presidente eleito na véspera da eleição (65% deles, contra 55% afinados com o tucano em 2014). Entre pretos e pardos, no entanto, este ano registrou um equilíbrio maior que na eleição passada. Se, na véspera da eleição de 2014, 60% dos pretos e pardos pretendiam votar em Dilma, este ano 53% estavam dispostos a votar em Haddad, enquanto os 47% restantes demonstraram sua intenção em apoiar Bolsonaro. Vale notar ainda que quase 20 pontos percentuais separavam o índice de apoio de eleitores brancos (65%) e pretos/pardos (47%) a Bolsonaro na véspera da eleição de domingo. No entanto, Luiz Augusto Campos afirma que a questão racial é mais difícil de ser analisada pois, no Brasil, “há uma tendência de sobreposição entre classe e raça, pobreza e negritude”.