As deputadas Benedita da Silva e Jô Moraes, veteranas na Câmara com quatro e três mandatos, respectivamente | Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

As 12 veteranas: quem são as mulheres que fincaram pé no Legislativo

Um quinto das deputadas está cumprindo ao menos seu terceiro mandato, mesmo em uma Câmara com 90% de parlamentares homens

Por Nana Soares*

Giulliana Bianconi

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Uma em cada cinco deputadas federais eleitas no Brasil está cumprindo pelo menos seu terceiro mandato. Mais precisamente, 22% da atual bancada feminina na Câmara pode se considerar uma veterana da Casa, com várias reeleições em seus currículos – número significativo em um Congresso em que as mulheres ainda ocupam apenas 10% das cadeiras. A porcentagem, no entanto, é bem menor do que a masculina: entre eles, 180 deputados – ou 39% do total de homens – estão na mesma situação. O líder absoluto é Miro Teixeira (PROS-RJ), em seu 11° mandato.

As veteranas são 12, sendo 7 delas de partidos de oposição e 5 da base governista. Três delas vêm do Norte (Elcione Barbalho, Janete Capiberibe e Marinha Raupp), duas do Nordeste (Alice Portugal e Gorete Pereira), duas do Sul (Maria do Rosário e Yeda Crusius) e cinco do Sudeste (Benedita da Silva, Jandira Feghali, Jô Moraes, Laura Carneiro e Luiza Erundina). O Centro-Oeste é a única região que não tem deputadas marcando presença no Congresso há tanto tempo.

“O ideal é sempre haver alternância de poder, mas dado nosso cenário é importante manter o que já foi conquistado. Se há mandatos reconhecidos pela população é bom que eles se mantenham, considerando que as mulheres estão em posição de minoria, ocupando um espaço que originalmente não deveria ser delas. Acredito que o debate sobre a alternância vale mais para quem é maioria”, reflete Maíra Kubík Mano, professora do departamento de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Gozando de grande popularidade junto aos eleitores, as veteranas conseguiram marcar seu espaço na política ao longo dos anos. A maioria delas ocupou outros cargos eletivos antes de chegar a Brasília, como vereadora e deputada estadual. Em alguns casos, como os de Yeda Crusius (PSDB/RS), Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Benedita da Silva (PT/RJ), elas só não frequentaram a Câmara quando se candidataram aos cargos de senadora e governadora – Jandira não conseguiu a vaga no Senado, ao contrário de Benedita da Silva, que emendou com os cargos de vice-governadora, governadora e ministra.

Yeda Crusius foi eleita governadora em 2006, mas não se reelegeu em 2010 e voltou à Câmara em 2014 como suplente. Já Luiza Erundina está em seu quinto mandato, mas tem décadas de vida pública marcada por conquistar espaços em ambientes antes masculinos. Ela foi uma das primeiras prefeitas de capital do país, quando elegeu-se em 1988 para comandar São Paulo, mas mesmo nesta época já tinha 30 anos em cargos públicos: foi Secretária de Educação e Cultura de Campina Grande e vereadora e deputada estadual por São Paulo. Depois da prefeitura, foi ainda ministra do governo Itamar Franco e chegou ao Congresso em 1998.

Nem sempre, no entanto, a ideia de lançar-se ao Congresso partiu das veteranas, como é o caso da deputada Jô Moraes (PCdoB/MG), que ocupa uma cadeira na Câmara desde 2006, sempre figurando entre as maiores votações do Estado. Paraibana e ex-diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE), ela construiu sua carreira política em Minas Gerais. Em 1996, elegeu-se vereadora em Belo Horizonte, reeleita em 2000. No pleito seguinte, em 2002, sonhou mais alto: conquistou o posto de deputada estadual. Foi seu único mandato no cargo, já que em 2006 Jô Moraes foi eleita deputada federal, cargo que ocupa até hoje.

Mas a mudança de Moraes para a Câmara dos Deputados não se deu por acaso, e sim por indicação do partido. Com a desfiliação do deputado Sérgio Miranda, o PCdoB viu nela o potencial para eleger mais uma deputada federal na bancada. “Não foi uma escolha pessoal, mas um desafio que eu aceitei. Fui acolhida pelo projeto partidário e deu certo, fui eleita e bem votada”, conta. Três mandatos depois, Moraes é pré-candidata ao Senado em 2018, também por um projeto da sigla que, segundo sua descrição, visa uma renovação geracional na bancada – atualmente, metade dos deputados federais do PCdoB está no cargo há pelo menos 3 mandatos.

Laura Carneiro (MDB/RJ) tem uma história similar. Filha de Nelson Carneiro, ex-deputado e senador pelo Rio de Janeiro, a parlamentar alega que não foi o pai quem a incentivou a entrar nos espaços formais da política, e sim Mário Covas. Ela começou como vereadora da capital carioca, tornando-se deputada federal em 1994 e sendo reeleita nas duas eleições seguintes. Voltou ao Congresso como suplente nas eleições de 2014, assumindo o posto de titular após a saída de Eduardo Cunha. “Quem inventou a [primeira] candidatura foi o Covas, mas ser deputada federal era um desejo meu. Desde que ocupei a Secretaria de Desenvolvimento Social, percebi que é assim que realmente se muda a legislação”, garante.

Plenário - Ordem do dia para discussão e votação de diversos projetos

Na avaliação de Maíra Kubík Mano, há aspectos objetivos e subjetivos que interferem no lançamento de candidaturas femininas. Em geral, explica ela, as mulheres têm menos espaço no dia a dia dos partidos, o que implica em menor reconhecimento de seu potencial e, consequentemente, menor número de candidaturas. “Já o aspecto subjetivo é ter confiança suficiente de que você pode ocupar esses espaços, e isso é algo muito menos estimulado nas mulheres. Quando elas são estimuladas por outras pessoas a ter uma candidatura, estamos falando de subjetividade, mas também de que os partidos têm que cumprir a lei de cotas”, diz Mano.

O impacto das cotas

E foi por causa da primeira versão da lei de cotas, em 1995, que Aurelina Medeiros (Podemos), mulher e negra, lançou-se na vida pública em Roraima para não mais sair. Atualmente em seu quinto mandato como deputada estadual e em busca de mais uma reeleição em 2018, ela era funcionária pública até receber o convite do então governador Ottomar Pinto. “Ele conhecia meu trabalho e propôs que eu fosse candidata a deputada porque o partido precisava ter um mínimo de candidaturas mulheres. Naquela época, eu pensava a política como algo ruim e que não servia para nada, mas acabei aceitando por confiar no trabalho que eu vinha desenvolvendo”, conta Medeiros, que não manifesta intenção de sair do Estado. Deixar a Assembleia, segundo ela, só se for para concorrer ao Executivo.

Aurelina não tinha planos de entrar na política partidária, e hoje já está no seu quinto mandato. Foto: Gustavo Lima/Acervo/Câmara dos Deputados

O que fez o governador convidar Medeiros para as eleições foi a primeira versão das cotas eleitorais para mulheres, estabelecida em 1995 prevendo um mínimo de 20% de candidatas mulheres nas eleições municipais do ano seguinte. A lei foi revisada em 1997, aumentando o percentual para 30% e estendendo sua abrangência para todos os cargos eleitos por voto proporcional. Em 2009, uma nova revisão tornou o preenchimento das cotas obrigatório. A redação também mudou, não especificando o gênero dos candidatos-alvo da política. Mas na prática, a lei se aplica para as mulheres.

“A lei de cotas cumpre um papel de estímulo à participação política de mulheres, mas é mínimo”, opina Maíra Kubík Mano. “Mínimo porque nunca conseguimos, apesar das candidaturas, ultrapassar a faixa dos 10% de mulheres eleitas no Legislativo. Precisaríamos de ao menos 30% para ter um patamar mínimo de representatividade”, acredita a jornalista e doutora em Ciências Sociais.

Veteranas nas Assembleias

Além de Aurelina Medeiros, existem outras 29 deputadas estaduais veteranas distribuídas pelo Brasil, representando 25% do total de deputadas em exercício. É o caso de Célia Leão (PSDB), que desde 1990 é deputada estadual em São Paulo, sempre com expressiva votação – em 2014 foi reeleita com 101.660 votos para seu sétimo mandato. Não há nenhuma outra mulher neste cargo há tanto tempo. Uma das fundadoras do PSDB de Campinas, Célia entrou na política pela militância das pessoas com deficiência – ela é paraplégica desde 1974 – e tornou-se vereadora em 1988. Dois anos depois, lançou-se candidata a deputada estadual e nunca mais saiu da Assembleia.

“Espaço ninguém dá. Ou você conquista ou fica sem”, define a deputada, que credita sua permanência no cargo ao trabalho realizado ao longo dos anos e ao apoio recebido. “Quando fui candidata a vereadora, meu filho mais velho tinha apenas um ano, a caçula nasceu quando eu já estava na Assembleia. Isso significa que tive apoio da minha família, o que foi imprescindível”, diz ela. Já nessa época (anos 80), rememora a deputada, a figura de uma mulher, mãe e paraplégica no ambiente político causava muito estranhamento. “Parecia que eu estava vindo de outro planeta, porque estava longe do que era tido como normalidade. E quanto mais ‘normal’ se é, mais capacidades entendem que você tem. Mas até hoje há esses posicionamentos, nem sempre na ofensa, mas também no carinho, um gesto de passar a mão no cabelo, coisas do tipo”.

Neste ano, Célia vai em busca de mais uma reeleição por São Paulo. Apesar da popularidade, especialmente na grande Campinas, ela nunca se candidatou a deputada federal. Os motivos, segundo a parlamentar, têm a ver com a família e com o arranjo partidário: em seus primeiros mandatos seus filhos ainda eram pequenos e ela não queria se distanciar. Depois a deputada não quis ficar longe da mãe, que morava com ela. Nos últimos 10 anos, sem esses fatores, ela não se candidatou para um cargo em Brasília porque o PSDB já tem um deputado federal forte para a região. Mesmo assim, Célia afirma estar satisfeita com a posição atual, e sua vida pública não parece estar no fim. “Paro quando o povo disser que é pra parar”, diz, com discurso de quem domina os signos da política.

Adaptar-se para jogar o jogo

Ocupando um espaço ainda um tanto hostil à presença feminina, as veteranas do Congresso Nacional relatam dificuldades para conseguir exercer seu trabalho, além do jogo de cintura para conciliar as vidas pessoal e pública. Jô Moraes diz que “a vida da mulher que quer atuar na política, seja no Executivo ou no Parlamento, é marcada por dificuldades na vida pessoal, porque a sobrecarga doméstica é muito grande”. Já a deputada Laura Carneiro é enfática ao afirmar que, para inserir-se no meio, ainda mais em áreas tradicionalmente masculinas como a Segurança, precisou se adaptar para lidar com o jeito deles de fazer política.

“Sem querer você acaba criando características para poder conviver com o mundo masculino. A direita e o centro têm uma característica que eu não chamaria de machista, mas que nos trata de outra maneira. Para quebrar isso, acabamos falando mais besteira, palavrão. São coisas que não deveríamos precisar fazer, mas não tem jeito. Ou você não penetra, já que eu por exemplo não jogo futebol, não saio a noite para paquerar”, descreve Laura. Mesmo assim, ela acha que o que realmente faz diferença é o trabalho, ainda que as mulheres tenham que fazer mais esforço para se destacar. “Competentes todos podem ser, mas sinto que a mulher tem que ser mais ousada ou então não se destaca. Precisamos correr mais riscos”, afirma.

A noção de que são minoria e que, como tal, encontram mais dificuldades para firmar seu espaço na política é compartilhada pelas veteranas do Congresso, independentemente do posicionamento ideológico ou da bancada em que mais atuam. Questões como as cotas das candidaturas e, mais recentemente, o fundo eleitoral, são preocupações em comum às deputadas. Essa coesão mínima foi aferida por Maíra Kubík Mano, que em sua tese de doutorado analisou o comportamento da Bancada Feminina no Congresso durante a 54ª legislatura (2011-2014). Como ela lembra, a Bancada Feminina é uma bancada de formação “compulsória”, cuja composição não é determinada por afinidades ideológicas, mas pelo simples fato da parlamentar ser mulher. Abarca, portanto, um espectro de diferentes posicionamentos.

“É uma atuação interessante porque elas têm o sentimento de pertencer a um grupo minoritário – e que por isso precisam atuar conjuntamente -, mas ao mesmo tempo há divergências profundas entre as deputadas”, resume Mano, destacando a atuação das parlamentares na CPMI da Violência Contra a Mulher. “Elas tinham um acordo só até certo ponto, mas as políticas de enfrentamento à violência eram motivo de debate. As deputadas que se identificavam com a bancada evangélica eram contra a proposição de inserir gênero no Plano Nacional de Educação. Isso mostra que pertencer a um mesmo grupo não quer dizer que atuem conjuntamente. O que as unifica é apenas a percepção de que são minoria”, garante a pesquisadora.

*Nana Soares é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.

Giulliana Bianconi

É jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco, cofundadora e diretora da Gênero e Número. Atualmente também se dedica a pesquisar e a escrever sobre movimentos de mulheres e sobre desigualdades de gênero e raça na América Latina. Possui especialização em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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