Crise econômica pode determinar o voto das mulheres nas eleições de 2022

Pesquisa realizada pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) mostra que alta no supermercado e perda de poder aquisitivo são pontos importantes de descontentamento com governo Bolsonaro por mulheres que não se identificam como eleitoras de esquerda nem de direita

Por Priscilla Brito*

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Em 2022, as mulheres representam 53% do eleitorado brasileiro. No universo de cerca de 150 milhões de eleitores elas são 8,5 milhões de eleitoras a mais do que os homens – número que pode definir a eleição. Mas como elas estão vendo o processo eleitoral? O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)  realizou pesquisa qualitativa com mulheres de todo o país para tentar entender.

Conduzida pelo Instituto Locomotiva em maio deste ano, os grupos focais reuniram mulheres com mais de 18 anos pertencentes às classes B, C e D que não se identificam como “de esquerda” ou “de direita”. As falas ouvidas nos grupos focais apresentaram uma rejeição grande ao atual presidente, o que se relaciona com o resultado da pesquisa realizada pelo Instituto FSB – pesquisa divulgada em junho: 57% das mulheres avaliavam o governo como ruim ou péssimo contra 44% dos homens. A situação econômica parece ser um ponto-chave para elas se posicionarem neste pleito, apesar de serem historicamente o grupo social com maior índice de votos brancos e nulos.

Nos grupos ouvidos, muitas que votaram em Bolsonaro em 2018 declararam estarem arrependidas. Afirmaram que votaram com a expectativa “do novo” e a ideia de que o país precisava de mudanças. Mas em 2022, o cenário é de dúvidas. Algumas se mostraram esperançosas com a possibilidade de o atual presidente deixar o poder, outras disseram se sentir frustradas pela falta de alternativa entre ele e Lula. Lula, aliás, foi lembrado como um presidente que fez muito pelo povo, apesar dos escândalos de corrupção.

O descontentamento com o atual governo para as mulheres ouvidas está diretamente relacionado à incapacidade de enfrentamento da crise econômica, ao descaso e o mau exemplo em relação ao cuidado à saúde durante a Pandemia da Covid-19, à postura do presidente, visto como pouco conciliador, com falas desrespeitosas e agressivas. E, para algumas, ao cerceamento das liberdades e a fragilidade da democracia.

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Apesar das diferenças de perfil das mulheres que participaram da pesquisa, todas apresentaram uma preocupação em comum: as dificuldades financeiras e a queda da qualidade de vida. Há uma demanda por soluções concretas, mais do que posicionamentos ideológicos.

No contexto “Pós-Pandemia”, mesmo as mulheres que não foram impactadas diretamente pelo desemprego sofreram com consequências, como queda de clientela (no caso das autônomas) e diminuição da renda. Elas reclamam dos preços inflacionados nos supermercados e da perda do poder aquisitivo para compra de alimentos. São mulheres cuja renda é significativa no orçamento doméstico, quando não representa a sua totalidade. A informação dialoga com o dado de que as classes D e E perderam 15% de sua massa de poder aquisitivo — a soma da renda habitual do trabalho calculada pelo IBGE mais transferências, demais auxílios, Benefício de Prestação Continuada, Previdência e outras fontes, segundo pesquisa da Tendências Consultoria Integrada divulgada pelo jornal Folha de São Paulo.

Quem não perdeu o emprego ou teve diminuição de renda nos últimos anos, sente o impacto da crise econômica por causa da inflação e do aumento dos preços no geral. Os relatos revelam que com o mesmo rendimento elas não conseguem fazer nem metade do que faziam antes. Foi preciso cortar mais do que os “supérfluos”, inclusive no mercado, excluindo itens como carne vermelha, agora consumida no máximo mensalmente. A situação afeta diretamente a qualidade de vida e aumenta o estresse.

Mães solo: demanda por creches e restaurantes comunitários

Para as mulheres que participaram da pesquisa e que se identificaram como “mães solo” ou “mães solteiras”, o impacto financeiro é ainda mais profundo e se soma à falta de políticas públicas e de equipamentos como creches e restaurantes comunitários. No Brasil, são 14,6 milhões de “mães solo”. A demanda por creches apareceu em todos os grupos, não só para que elas sejam mais numerosas e próximas às casas, mas também para que funcionem em horário estendido. Hoje, 74% das crianças de até quatro anos não estão matriculadas em creches ou escolas de educação infantil, segundo o IBGE.

Sobre a experiência delas como mulheres, citaram as desigualdades no mercado de trabalho, as diferenças salariais e o assédio que enfrentam todos os dias. Elas sabem que recebem salários menores mesmo quando ocupam as mesmas posições que os homens, e sentem a discriminação pela possibilidade de serem mães ou por terem que dedicar parte do seu tempo às tarefas de cuidado. Em geral, elas se sentem menosprezadas e inferiorizadas diante dos homens nos ambientes de trabalho e dizem precisar provar sua competência diariamente.

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E o mais interessante: não há lembrança de políticas públicas voltadas especificamente para as mulheres e, do ponto de vista dos direitos, só a Lei Maria da Penha foi citada espontaneamente.

Segundo o Instituto Locomotiva, houve dificuldade em definir o que seriam as políticas públicas para mulheres. A primeira associação que faziam era com “mulheres na política”, envolvendo a ocupação de cargos públicos, políticas afirmativas para candidaturas femininas, entre outras – tema do qual todas falaram e se mostraram favoráveis, embora não soubessem dizer que impacto teria de ter mais mulheres no poder. Somente após uma explicação básica é que exemplos como “Bolsa Família” apareceram e incentivaram discussões sobre como as mulheres são impactadas pela ausência de políticas de saúde, transporte e educação.

Além das demandas relacionadas às creches surgiram nos grupos propostas como carga horária de trabalho reduzida, horário estendido nos postos de saúde; transporte público mais eficiente e livre de assédio, com segurança pública para deslocamentos de casa até transporte; auxílio de maior valor nos momentos de crise; creches para as crianças.

As mulheres entendem a política a partir da vida concreta e cotidiana e estão atentas aos descasos, descuidos e falta de políticas de assistência durante as crises econômicas e sanitárias vividas nos últimos anos. 

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O Cfemea destaca que para as participantes da pesquisa, não há lembranças de um governo que tenha feito melhorias na vida das mulheres. Para a organização é um reflexo claro da falta de representatividade feminina na política e de compromisso dos governos com as demandas das mulheres. Quando perguntadas sobre a influência que lideranças religiosas, maridos ou companheiros podem ter no seu voto, elas afirmaram que isso não é decisivo para a decisão na urna.

Para o Cfemea, ainda que as mulheres nem sempre relacionem aquilo que querem da política com o feminismo ou com um posicionamento de esquerda, a pesquisa mostra como as mulheres querem se ver representadas nos espaços de poder e estão atentas a quais candidaturas vão dialogar com as suas demandas cotidianas. Em meio à crise econômica e diante da falta de políticas públicas, elas querem projetos que mudem para valer a vida no país, garantindo emprego e uma vida digna 

*Priscilla Brito é do Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA, com a colaboração Schuma Schumaher, Natalia Mori, Eunice Borges e Luana Ferreira.

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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