Aprendizados e desafios em 10 anos da Transempregos

Maite Schneider

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Em 2023, a Transempregos completa 10 anos de caminhada potente e revolucionária. O projeto, do qual sou cofundadora, foi idealizado pela Dra. Márcia Rocha, uma das pessoas mais incríveis com quem tenho a alegria de dividir tantos momentos importantes: a primeira mulher trans a ser reconhecida com nome social na OAB e a formar parte do Conselho Seccional da entidade.

A Transempregos é o maior e mais antigo projeto de empregabilidade de profissionais transgêneros do Brasil e já foi ponte de inclusão de milhares de pessoas nas 2.350 empresas parceiras. É um projeto social totalmente gratuito, tanto para as empresas, quanto para as pessoas trans.

Trago aqui uma série de acertos e aprendizados nessa trajetória, mas também aponto alguns desafios, para que possamos pensar em conjunto soluções e formas de acelerar mudanças de paradigmas para a construção de um mundo verdadeiramente mais inclusivo.

Acertos e aprendizados

Sem burocracias Temos um processo muito simples para participação das empresas e dos profissionais trans.

Parcerias são essenciais Só conseguimos construir e solidificar nosso crescimento com o apoio das parcerias que temos, como com o Fórum de Empresas LGBTQIA+, que está com a gente desde o início de nossa fundação, além de consultorias diversas de inclusão, ONGs e entidades de ensino. Já conseguimos centenas de bolsas integrais de pós-graduação, graduação e para os mais diversos cursos, bem como distribuição de notebooks para que os profissionais trans pudessem trabalhar remotamente e não perdessem oportunidades pela falta destes aparelhos.

Grupo de Voluntariado Com a criação desse espaço dentro da Transempregos, pudemos crescer fazendo um atendimento direcionado para construção ou melhoria de currículos, LinkedIn e até encaminhamentos de carreiras. Hoje contamos com quase 100 pessoas voluntárias.

Cartilhas Elaboramos conteúdos informativos e didáticos, para resolver as principais dúvidas, como as do projeto Agora Vai.

Capacitação Junto a diversas empresas, vamos além da empregabilidade e oferecemos outros caminhos possíveis. Um dos maiores exemplos é o Projeto Transformação, feito em conjunto com Google.org e Mães pela Diversidade, que já atendeu quase 5 mil pessoas trans no Brasil inteiro. Trata-se de um curso online totalmente gratuito, dividido em quatro módulos: habilidades subjetivas, identidade profissional, conhecimento jurídico e habilidades digitais. O objetivo é preparar de modo prático a entrada destes profissionais trans no mercado de trabalho. Metade da equipe de professores é formada por pessoas trans.

Inovação Criamos o primeiro Programa de Trainee exclusivo para pessoas trans da Casa&Video e a primeira Escola de Eletricistas para pessoas Trans, junto com EDP, Senai e Integra Diversidade.

Desafios

As contratações ainda são muito higienistas Levando em consideração as mesmas habilidades e o nível de experiência do profissional, percebemos nas milhares de contratações que mulheres trans/transfemininas encontram mais dificuldade de contratação que homens trans/transmasculinos. Se, além de trans, a pessoa for negra, aumenta em 72% a colocação desta profissional em determinada vaga. Pessoas trans não-binárias, bem como aquelas que não têm passabilidade (quando uma pessoa trans é lida socialmente como cisgênera), terão maior resistência para sua efetivação. Quanto maiores os marcadores identitários, fora do padrão que ainda existe, maiores serão as exclusões que o sistema fará. Portanto, precisamos que as ações afirmativas comecem a ser pensadas com critérios de interseccionalidades e recortes mais amplos. Os próprios programas de Jovem Aprendiz, Estagiários e Trainees ainda não são pensados com esses atravessamentos.

As contratações ainda são, na sua maioria, dentro do eixo Rio – São Paulo Mesmo quando a grande maioria das empresas parceiras da Transempregos atuam no Brasil inteiro.

Precisamos que os programas de DEIP (diversidade, equidade, inclusão e pertencimento) das empresas comecem a capilarizar suas iniciativas relacionadas ao tema Raras são as empresas que seguem esse caminho. Um exemplo de empresa que está conseguindo é a Alpargatas, que através do Alpha Transforma está mudando a realidade de pessoas trans na Paraíba

Processos seletivos mais longos para profissionais trans Temos visto que, em comparação com pessoas cisgêneras, o processo de efetivação de profissionais trans leva de uma a três fases a mais, seja por insegurança das pessoas envolvidas na atração e no recrutamento ou pela falta de preparo anterior à execução do processo.

Tokenismo Ainda um problema sério, que traz uma série de questões que afetam o engajamento da pessoa trans, que muitas vezes sente-se só. Outras ainda têm, de modo quase obrigatório, que executar tarefas para as quais não foram contratadas, tais como responder dúvidas sobre o tema, dar palestras sobre suas dores e participar dos grupos de afinidades.

Planos de carreira Falta de políticas reais pensadas em planos de carreira para profissionais trans.

Benefícios Empresas contratantes ainda não pensam em benefícios voltados para a inclusão de pessoas trans, como licença parentalidade e plano de saúde. A criação de benefícios específicos para esta população ainda é muito pouco pensada. Por isso cito o exemplo da Salesforce, que além de reembolso de cirurgias, medicamentos prescritos e terapia hormonal, oferece o direito à licença de um mês para recuperação de cirurgias, serviço de acompanhamento psicológico (não somente para seus colaboradores, mas também para familiares), reembolso de até US$ 1.000 para quem precisar atualizar documentos de identidade e verba de até US$ 500 para a compra de roupas novas.

Outros programas e projetos fazem um trabalho incrível de inclusão de pessoas trans. Alguns não são específicos para esta população, mas aconselho que os conheça:

Educa Transforma, Camaleão, Todxs, Capacitrans, Antra, IBTE, Rede Trans e Recruta LGBTQ+

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da GN

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Maite Schneider

Maite Schneider trabalha com Direitos Humanos desde 1990. Com MBA em Gestão Estratégica, Inovação e Conhecimento. é Linkedln Top Voice e coautora do livro “Diversidade, Equidade e Inclusão – Tornar simples o que parece complexo”. Cofundadora do projeto TRANSEMPREGOS (2013) e embaixadora da RME. Consultora e Mentora sobre Inclusão, Diversidade e Humanização. Cofundadora da Integra Diversidade – uma consultoria especializada em Inclusão e Diversidade - e da SOMOS Diversidade, é parte do Comitê Consultivo do Programa Municipal de DST/Aids e da Frente Parlamentar pelos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Estado de São Paulo.

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