Recentemente, marcas e agências têm manifestado uma preocupação crescente com a falta de diversidade em seus anúncios. Ainda assim, homens brancos são a maioria dos modelos/personagens representados na propaganda brasileira. O Gemaa analisou a representação dos personagens em mais de 24 mil anúncios publicitários publicados entre 1968 e 2017. Os dados revelam que, apesar de avanços recentes, a representação de modelos pretos e pardos ainda é limitada.
As peças publicitárias foram colhidas na revista Veja, semanário brasileiro de maior circulação nacional e com grande quantidade de anúncios. Os dados mostram que há uma esmagadora presença de brancos e brancas, na ordem de 90% dos anúncios em alguns anos do período analisado. Além disso, há pouca variação ao longo dos anos e uma recente diminuição modesta da predominância de modelos brancos em anúncios publicitários.
Embora haja um aumento gradual na representação de não brancos ao longo das décadas – 7% em 1968 e 18% em 2017 -, o desequilíbrio é significativo quando consideramos que cerca de metade da população é conformada por pessoas não brancas. Isso indica que a raça desempenha um papel relevante, mesmo que de forma subestimada, devido à predominância dos modelos brancos nos anúncios, o que sugere uma naturalização da branquitude como o padrão na representação do normal, humano e desejável.
Homens brancos são a maioria dos modelos em anúncios e representam, em média, 52,5% do total. Por outro lado, mulheres não brancas são o grupo menos presente, com apenas 3,5%. Os números indicam a normalização dos padrões de beleza, especialmente no contexto racial.
Embora o gênero seja um fator de desigualdade, a raça se destaca como um fator ainda mais acentuado. Ao longo dos anos, a diferença numérica na representação entre homens e mulheres diminuiu, mas a disparidade racial persiste. Brancos são quase cinco vezes mais representados do que não brancos, o que aponta para a construção de representações de masculinidade e feminilidade fortemente influenciadas por estereótipos de beleza branca.
Também chama atenção a variação das desigualdades conforme os tipos de anunciantes. Há uma maior proporção de homens e mulheres não brancos em anúncios de instituições públicas (21% e 12%) e estatais (13% e 8%), o que sugere uma preocupação dos governos em promover diversidade e inclusão em suas campanhas publicitárias.
Enquanto isso, a iniciativa privada ainda mostra um alto grau de exclusão racial em suas campanhas publicitárias. Pela perspectiva de gênero, existe também uma exceção nos anúncios de ONGs, nos quais mulheres não brancas são mais representadas.
A presença mais equilibrada de gênero nos anúncios de empresas privadas pode ser explicada, em parte, porque muitos de seus produtos são direcionados ao público feminino, o que raramente acontece nos anúncios de órgãos públicos e empresas estatais. É importante destacar que a maioria dos anúncios é produzida por empresas privadas (92,3%), seguidas por empresas estatais (3,3%), instituições públicas (2,4%), organizações não-governamentais (0,1%) e outros (1,9%).
De modo geral, a análise revela como a publicidade brasileira apresenta poucos avanços em termos de diversidade racial ao longo dos últimos 50 anos. A sobrerrepresentação de brancos, especialmente entre as mulheres, sugere uma associação direta entre beleza e branquitude.
Embora haja um argumento de que a publicidade apenas reflete os desejos de seu público consumidor, essa visão simplista não leva em consideração o papel da publicidade em moldar e influenciar esses desejos, muito menos a proporção populacional de pretos e pardos no Brasil.
Historiadora, coordenadora de comunicação do GEMAA, assessora de comunicação do movimento Mulheres Negras Decidem e repórter freelancer
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