Movimento Mulheres Negras Decidem
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Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, apresentado pelo Ministério da Justiça, tem recebido diversas críticas. Não à toa. Sua abordagem tradicional, centrada no policiamento ostensivo e em ações truculentas, tem se mostrado ineficaz ao longo dos anos. Há dados e conhecimento científico que comprovam que esses métodos não produzem soluções capazes de lidar com os desafios reais da segurança pública no Brasil.
Nas últimas semanas, vimos, mais uma vez, atrocidades contra a população das favelas da Maré, Complexo da Penha e Cidade de Deus. Ao longo deste ano, também vimos a crescente violência no estado da Bahia. Episódios que demonstram a crise que estamos enfrentando com nosso sistema de justiça.
Na mesma proporção, o que é apresentado como solução pelo Estado brasileiro pode ser resumido nas afirmações das autoridades públicas, responsáveis pela elaboração do plano: “o combate ao crime organizado não se enfrenta com rosas”. De toda forma, o que foi dito é que tudo segue como antes.
Racismo à brasileira: um projeto autoral do público negro da Gênero e Número
Sabemos que esse ciclo recorrente de violência e marginalização está profundamente arraigado na abordagem punitivista do sistema de justiça criminal. A pergunta que fica diante de tudo isso é: quando iremos enfrentar os desafios que estão postos diante do custo humano e financeiro que esses métodos de combate ao crime organizado produzem?
Aliados aos métodos ostensivos, agora temos o uso do reconhecimento facial como tecnologia das ações voltadas para segurança pública. 90% das prisões que ocorreram por reconhecimento facial em 2019 foram de pessoas negras. Entre 2019 e 2022, identificaram-se 509 casos de pessoas presas através do reconhecimento facial, segundo dados do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
Quando falamos em um sistema de justiça que cumpra seu papel democrático é exatamente para enfrentar esses desafios. É preciso uma radical imaginação política para instigar as transformações que o nosso sistema de justiça precisa enfrentar. Uma justiça que perceba e tenha olhos abertos para as desigualdades raciais e processos discriminatórios, como afirmamos de forma veemente em nossa campanha pela indicação de uma jurista negra ao STF.
Branco e masculino, STF pode mudar em 2023
Falando especificamente sobre o Supremo Tribunal Federal, espaço de poder a partir do qual o Judiciário brasileiro se orienta, só será possível ampliar o debate sobre o que é justiça, em vários âmbitos, inclusive na segurança pública, a partir das votações que ali acontecem, quando nossas perspectivas puderem também sentar à mesa e decidir. Além da nossa histórica ausência, fica cada vez mais evidente a necessidade de alguma alternativa a toda a barbárie civilizatória provocada pelo nosso sistema de justiça ao longo desses anos.
Se o projeto dos homens da justiça, brancos e negros, seguem a lógica da morte e da exclusão, nós reiteramos Adriana Cruz, juiza e Secretaria Geral do Conselho Nacional de Justiça: “Ter um olhar desencarcerador é um olhar pró-vida, que olha para a vida e que não olha para uma pulsão de morte, de exclusão e estigma“.
A fala de Adriana Cruz traduz a atuação de mulheres negras no Judiciário em direção à transformação que queremos. Ao longo da nossa campanha #MinistraNegraJá, reiteramos que as mulheres que apoiamos nesse processo – e tantas outras – são capacitadas para o cargo e também estão construindo, enquanto juristas, novas perspectivas de justiça. Uma forma verdadeiramente capaz de mediar a vida em sociedade que leve em consideração o valor humano e a vida dos grupos historicamente marginalizados no nosso país.