Estereótipos de raça e gênero na publicidade

Foto: Kevin Woblick/ Unsplash

Marcelle Felix

Desde ao menos a década de 1970, a discussão sobre desigualdades de raça e gênero respinga na representação dos grupos sociais nos meios de comunicação. Nas últimas décadas, esse debate se acentuou, ampliado pela velocidade e pelo alcance das redes sociais, e pela repercussão internacional de movimentos como o Me Too e Black Lives Matter.

Com isso, a discussão sobre desigualdades de raça e gênero se tornaram mais abundantes e as críticas aos modos de representação na publicidade reverberam nas redes sociais e nas conversas cotidianas.

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A publicidade, como parte do campo simbólico que informa e media os valores sociais de um contexto social, contribui para a naturalização de estereótipos associados a grupos. Todo esse debate influencia os anúncios publicitários, mas de forma muito mais lenta do que se poderia supor.

O boletim do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), com uma amostra de 60 edições da revista Veja selecionadas de modo aleatório mês a mês, revelou que ao longo dos últimos 5 anos, a publicidade representou em suas imagens cerca de 83% de pessoas brancas e 17% de pessoas não brancas (pretas e pardas).

A publicação faz parte de uma análise longitudinal de raça e gênero na publicidade, que investiga as peças publicitárias da revista Veja desde a sua fundação, em 1968. O documento mostra que houve avanços nos últimos anos, mas foram tímidos. O percentual de modelos não brancos nas peças publicitárias aumentou, chegando a 35% no ano de 2023, enquanto no ano de 2018 registrou 12%. No entanto, a proporção de brancos ainda é o dobro e se sobrepõe significativamente ao percentual de pessoas autodeclaradas brancas no Brasil – 44%, segundo o Censo de 2022.

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Embora os papeis de gênero estejam mudando, a análise de tipos de produto, raça e gênero dos modelos aponta para uma tendência a estereotipia que merece atenção: as mulheres são mais associadas a acessórios, cosméticos, joias e roupas, isto é, produtos atrelados à aparência, sobretudo as mulheres brancas. Já os homens aparecem mais em produtos como automóveis, alimentos e meios de comunicação de massa (programas de televisão e revistas, por exemplo). Novamente, essa associação é marcada por raça e gênero, já que são majoritariamente homens brancos que aparecem de tal forma.

Gênero e raça na publicidade por tipo de propaganda

tipos de propaganda

social

educação

comunicação

e tecnologia

financeiro

saúde

acessórios e

cosméticos

lazer

alimentação

transporte

58

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mulheres negras

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social

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mulheres brancas

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e tecnologia

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Fonte gemaa

Gênero e raça na publicidade por tipo de propaganda

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e tecnologia

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acessórios e

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mulheres negras

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Fonte gemaa

ler Homens são 60% dos autores de textos publicados nos maiores jornais do Brasil

A associação entre tipo de produto, raça e gênero já se apresentou no levantamento anterior, porém as mulheres passaram a aparecer mais em alguns anúncios antes dominados por homens, como as peças que vendiam serviços bancários.

Por outro lado, tanto homens quanto mulheres não brancas estão majoritariamente em produtos de responsabilidade social – quando um anúncio foca em alguma ação positiva para além do produto em si. Essa associação repetitiva vincula a negritude a ideias de diversidade ou inclusão e não tanto com a venda de um produto em si. A tendência aponta para a necessidade de maior diversidade nas publicidades e nos ambientes de criação e decisão das agências.

O boletim sobre raça e gênero na publicidade apresenta de modo introdutório os principais dados da pesquisa. O levantamento é uma forma de documentação, acompanhamento e por fim, crítica respaldada a uma prática de representação ainda excessivamente restrita da publicidade para determinados grupos sociais.

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Marcelle Felix

Marcelle Felix é mestra e doutoranda em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (IESP - UERJ) e formada em Jornalismo pela ECO-UFRJ. Pesquisadora do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), Marcelle se interessa pela pesquisa de relações raciais e de gênero, o que abrange as áreas da comunicação e ciência.

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