Em março de 2021, quando o Brasil enfrentava uma das ondas mais mortíferas da pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro imitou uma pessoa com falta de ar ao criticar declarações do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Ele viria a repetir a cena dois meses depois.
As performances de Bolsonaro talvez tenham sido a manifestação mais perversa da sua conduta absolutamente errática à frente do país na pior crise sanitária do último século, mas não foi a única, nem a mais grave.
Sua insistência em recomendar medicamentos comprovadamente ineficazes no combate à covid-19 e o descaso nas negociações com laboratórios para a compra de vacinas foram responsáveis, segundo estimativas, por 400 mil mortes causadas pela covid-19. Mortes que poderiam ter sido evitadas.
É impossível prever uma pandemia, mas ao enfrentar outros problemas crônicos que assolam o Brasil, Jair Bolsonaro teve desempenho igualmente pífio e postura perversa, insensível. Em quatro anos, o Brasil sofreu retrocessos gravíssimos: do aumento progressivo das queimadas na Amazônia à fome, que voltou com força e hoje assombra mais de 30 milhões de brasileiros, passando pelo aumento da violência, do ódio e da intolerância.
Jair Bolsonaro tem em sua trajetória política recorrência de discursos machistas, racistas e homofóbicos. E em seu governo, estes discursos ganharam forma em políticas públicas que reduziam direitos das mulheres, população negra e indígena e LGBTQIA+, como as inúmeras portarias do Ministério da Saúde restringindo acesso ao aborto legal e ataques às demarcações de terras indígenas.
O governo de Bolsonaro foi pautado pela necropolítica. Convivemos quatro anos com uma exaltação constante à morte e à violência, com o armamento ostensivo da população e propostas perigosas como a da excludente de ilicitude, como se não houvessem estudos apontando que esse caminho não soluciona a insegurança sistêmica que vivenciamos — pelo contrário, só a piora.
A principal bandeira de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, o combate à corrupção, foi rasgada sem demora. Ele aliou-se ao Centrão e se viu mergulhado em casos de corrupção, dos mais simples — mas não menos graves —, como as “rachadinhas” (desvio de dinheiro público) que parecem ser praxe entre seus familiares políticos, aos grandiosos, com destaque para o “Orçamento Secreto”, um esquema em que nosso dinheiro jorra aos bilhões no Congresso como moeda de troca para garantir sua sustentação no poder. Em situações-limite, Bolsonaro impôs sigilos injustificáveis de 100 anos a documentos que poderiam provar seus evidentes erros.
Mesmo com escândalos recorrentes no primeiro escalão do governo, que levaram à queda de ministros, histórias muito mal contadas, como a dos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo e as que envolvem Fabrício Queiroz e os cheques depositados em nome da primeira-dama, e o aparelhamento de instituições como de controle e correição, Bolsonaro teve a pachorra de afirmar que não existiu corrupção em seu governo. A mentira foi institucionalizada. Virou política de governo.
Na economia, que justificou — na figura do ministro de enfeite Paulo Guedes — o apoio de setores poderosos à campanha vitoriosa de Bolsonaro em 2018, o crescimento do Brasil ficou abaixo da média global. Retrocedemos em todos os indicadores que importam, em alguns casos até 30 anos.
Viramos párias internacionais, motivos de piada e constrangimento em eventos globais. Os investimentos em educação, ciência e saúde encolheram e o orçamento federal de 2023 contém um apagão na área social a fim de abastecer o Orçamento Secreto. A cultura foi hostilizada e deixada à míngua; até discurso neonazista foi proferido por quem deveria, antes de qualquer um, defender e promover os nossos artistas.
Não contente em ser um mau governante e um mau ser humano, Jair Bolsonaro atacou todos os pilares da democracia em um exercício destrutivo constante — uma triste lição, sentida na pele, de como as democracias agonizam antes da morte.
Bolsonaro atacou a imprensa, atacou o Judiciário, atacou a urna eletrônica — a mesma que o elegeu várias vezes à Câmara dos Deputados, onde jamais fez coisa alguma, e à Presidência. Em todos os casos, sem provas nem justificativas. Ameaçou, e ainda ameaça, uma ruptura institucional caso não seja reeleito. Ao que tudo indica, em breve se revelará também um mau perdedor.
Entendemos que não reeleger Bolsonaro é o único caminho possível para podermos pensar no futuro. Diante da emergência climática e de um presidente que ataca e humilha a própria população, e diante dos sinais de que a extinção da humanidade é uma trilha cada vez mais sólida, não cabe ter qualquer dúvida quanto à ideia de que outro presidente é a condição mínima necessária para que se possa sonhar com um futuro. Se haverá ou não futuro, isso depende de muitos outros fatores que escapam à capacidade de resolução do sistema político engendrado pelo capitalismo.