Mariana Belmont
S
er socioambientalista, desde muito jovem, me deu tudo que eu sou, meu trabalho, aprendizado, amizades profundas e uma vida de luta diária. Sou socioambientalista ativista em tempo integral.
Nosso sonho, o meu pelo menos, é sentir os espaços onde a transformação e o desenho da luta são feitos por quem está nos territórios, bem no clichê para um mundo melhor. O jornalismo me deu a possibilidade de pisar em chãos devagarinho, me deu a maturidade de olhar e aprender, contar boas histórias e seguir do lado bom da treta toda.
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A sociedade é feita de muita gente, muitos recortes e muitas experiências. Cada casa e cada cultura é única, as políticas precisam disso, respeitando quem veio antes. Respeitar quem veio antes não é clichê, é grito de luta também, pelo direito à memória.
Entre 18 20 de outubro, participei, em Manaus, do primeiro encontro do Projeto Amazônia Revelada, no MUSA – Museu da Amazônia. O evento reuniu grandes nomes da Arqueologia Amazônica, além de representantes e pesquisadores dos Povos da Floresta – indígenas, membros de comunidades tradicionais e quilombolas – para apresentar os primeiros resultados das pesquisas do projeto.
O Amazônia Revelada utiliza a tecnologia LiDAR em sobrevoos sobre a floresta para identificar sítios arqueológicos compostos por estradas, valas, elevações artificiais de terra, entre outras possibilidades, que estão escondidos sob a densa vegetação amazônica. Ao mesmo tempo, levantamentos realizados por pesquisadores locais pertencentes aos povos indígenas e tradicionais contribuem para demonstrar a ampla gama de patrimônio arqueológico e cultural nesses territórios, cujas florestas são historicamente manejadas. Assim, o projeto busca mapear e registrar junto aos órgãos competentes o patrimônio biocultural presente nessas áreas.
Quando você fala de justiça climática, você fala de racismo?
Direito à memória
Protegidos pela legislação brasileira (Lei 3924/1961), os sítios arqueológicos são insubstituíveis e essenciais para a preservação cultural e ambiental da Amazônia. “Queremos registrar esses sítios arqueológicos para patrimonializar e criar uma camada adicional de proteção à esses territórios”, afirma Eduardo Neves, arqueólogo e diretor do Museu de Arqueologia e Etnografia da USP.
O sentimento de orgulho de pesquisadores indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais ao apresentarem seu território e os primeiros resultados das investigações nos estados do Acre, Rondônia, Pará e Amazonas, epicentros do desmatamento na Amazônia, foi indescritível.
Fome e mudanças climáticas: menos discurso, mais ação
Os pesquisadores apresentaram também revelações inéditas da arqueologia em áreas estratégicas para o equilíbrio climático, que estão sob fortes ameaças pelo avanço da grilagem e desmatamento, das monoculturas, de projetos de infraestrutura. Estamos diante de um choque de mundos. Novas provas e registros da ocupação de povos originários evidenciam modos de vida que construíram a Amazônia ao longo dos últimos 12 mil anos de modo a manter a floresta em pé.
Entre os principais achados estão feições topográficas e cerâmicas no Morro do Anfrísio, novos geoglifos na Amazônia e redes de trocas culturais entre grupos antigos, o que reforça a interconectividade na região. Informações que podem contribuir para gestão dos territórios, formulação de políticas públicas, demandas aos órgãos de registro e fiscalização dos sítios arqueológicos e um novo capítulo da arqueologia na Amazônia e no Brasil.
Quem pode ter direito à memória? Memórias que são tecnologias ancestrais nos territórios que ajudam a reduzir o aquecimento global. É a velha máxima: a população que mais protege a floresta e os territórios é também a mais impactada por eventos climáticos e políticas genocidas do Estado contra a população indígena, quilombola e comunidades tradicionais. O projeto pode apoiar no resgate da memória como processo para registro, resistência de direitos e segurança climática nos territórios.
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