Editorial: Dados de qualidade para dar visibilidade à violência LGBTfóbica

Fundo degradê com as cores do arco iris com um a ilustração de um mapa centralizado no meio destacando os estados de Amazonas, Roraima e Espirito Santo
Arte: Victoria Sacagami

Gênero e Número

Quatro anos depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que criminalizou a LGBTfobia nos termos da Lei n° 7.716/89, conhecida como a Lei do Racismo, a Gênero e Número solicitou, pela Lei de Acesso à Informação (LAI), dados das 27 UFs brasileiras sobre registros de ocorrências para esse tipo de crime entre 2019 e 2022.

Ainda que 21 estados tenham respondido ao pedido, somente três deles – Amazonas, Espírito Santo e Roraima – forneceram dados básicos, como sexo, raça/cor e orientação sexual das vítimas.

A ausência dessas informações oculta o perfil de quem consegue denunciar esse tipo de crime. Não é possível avaliar o impacto da criminalização da LGBTfobia para mulheres e homens trans, mulheres cis e pessoas negras, por exemplo, grupos mais vulneráveis a violências. Conhecer o perfil das vítimas também é importante para o desenho de políticas públicas voltadas para prevenção e combate à discriminaçao e à violência contra a população LGBTQIA+.

Tampouco é possível saber o total de ocorrências de LGBTfobia no país. Para além dos crimes que não chegam a ser registrados – por inúmeras razões –, em ao menos sete estados os próprios órgãos de segurança pública não possuem mecanismos para distinguir e contabilizar os crimes de racismo motivados por LGBTfobia daqueles motivados por cor/etnia, xenofobia ou religião.

A qualidade dos registros obtidos via LAI diferem bastante entre as UFs. Há campos inexistentes, como ‘orientação sexual’, e campos existentes, mas majoritariamente não preenchidos. Há ainda campos com opções de resposta inconsistentes e que invisibilizam a identidade das vítimas – como é o caso do uso de ‘LGBT’ no preenchimento de ‘orientação sexual’, e da categoria ‘sexo’ em vez de ‘gênero’.

Em 2019, após a criminalização da LGBTfobia, a Gênero e Número já tinha retratado um cenário de escassez de dados, que expõe a invisibilização da violência contra população LGBTQIA+ na segurança pública. Quatro anos depois, infelizmente, o panorama não é diferente.

Na época, Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, defendeu a decisão de publicar o primeiro levantamento nacional de números oficiais sobre violência LGBTfóbicas no Anuário da organização, apesar da qualidade dos dados, algo que hoje ainda é um problema.

“Quando temos um caso de ausência de dados como esse, existe um dilema: pode-se publicar com essa defasagem ou não publicar, justamente devido a isso. Escolhemos publicar, porque queríamos denunciar, lutar pelo reconhecimento dessa injustiça e tentar promover um aumento de transparência”. Essa foi a decisão que tomamos com a publicação da reportagem visual nesta quarta (28).

Em parceria com a Agência Diadorim, publicamos também a primeira de uma série de reportagens sobre projetos de lei pró-LGBTQIA+, um contra-ataque ao conservadorismo crescente na política. De 209 propostas apresentadas, 26 tratam de estabelecer mecanismos de coleta e disponibilização de informações sobre a população LGBTQIA+. E isso tem um motivo: sem dados não se faz política pública.

Neste mês do Orgulho LGBTQIA+, a Gênero e Número reforça seu compromisso de tratar dos direitos dessa população e denuncia a falta de transparência e da tipificação nos registros, assim como a existência de lacunas nos dados da segurança pública sobre violência contra pessoas LGBTQIA+. Como organização de mídia, continuaremos monitorando e contextualizando dados e estatísticas sobre grupos colocados à margem.

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