Até quando vamos contar corpos à espera de adaptação climática nas cidades?

Foto mostra um homem negro atravessando uma rua alagada. Ele está à esquerda da imagem. }A direita, é possível ver carros em movimento e muros de casas.
Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Mariana Belmont

Feliz 2024 para quem? Minha primeira coluna do ano poderia tranquilamente ser uma cópia de vários textos meus e de companheiros pesquisadores e jornalistas, que sempre relatam o descaso e o abandono das cidades em períodos, cada vez mais constantes, de chuvas.

Por quantos anos mais vamos pedir que os gestores comecem a priorizar a adaptação climática? Quantas pessoas vamos suportar perder? Quanto sofrimento deixaremos que a população sinta? E a dignidade? Tenho uma série de perguntas e acho que a população que todos os anos perde absolutamente tudo também tem.

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Nos últimos dias, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi atacada por expor o racismo ambiental nos desastres que estão ocorrendo no Rio de Janeiro. O movimento negro brasileiro denuncia o racismo ambiental há décadas, desde a Eco92.

O racismo ambiental é um fenômeno em que comunidades de minorias étnicas e raciais são desproporcionalmente expostas a riscos ambientais, incluindo poluição do ar e da água, falta de acesso a recursos naturais e ambientes insalubres. Qual é a cor da maioria das pessoas que estão sofrendo e morrendo com os eventos climáticos no Rio de Janeiro e em outras cidades, em comunidades quilombolas e terras indígenas, com a constante violação de direitos?

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Eu estudo isso há mais de 15 anos, sigo aprendendo e acompanhando o que tem acontecido e o descaso, mas o conceito é antigo, afinal, o racismo existe e chegou com as caravelas. Invalidar qualquer formulação do movimento negro no Brasil é um clássico, de racistas que, no fundo, apoiam as políticas de deixar morrer.

Se os pesquisadores do clima alertam que as tempestades de verão já são esperadas, por que enchentes, deslizamentos de terra e transbordamentos de rios ocorrem com maior frequência em áreas mais pobres do que nas mais ricas? Se alertam que é perigoso construir mansões em topos de morros ou na beira do mar, por que o poder público segue disponibilizando licenças que violam o bom senso e a lógica, diante do que está acontecendo no planeta?

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Todo janeiro e fevereiro, todo ano, em qualquer governo, pessoas perdem tudo, perdem a vida que lutam diariamente para cuidar. Não é culpa da chuva, a culpa é dos prefeitos, vereadores, governadores e do governo federal, que deixam morrer sem adaptação climática.

A defesa do meio ambiente esquece das cidades, esquece que natureza também é proteger as pessoas e a biodiversidade nas cidades. A política nacional de proteção ambiental não se trata só do combate ao desmatamento, é urgente olhar para os direitos humanos nas cidades.

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Eu devo ter repetido perguntas que já fiz em outros textos nos últimos anos, trabalhando e escrevendo sobre esse tema. Todo ano é a mesma coisa. Solidariedade não basta para quem perde pessoas, memórias e suas casas, construídas com o suor de muito trabalho. A população espera que o poder público faça algo além da política do deixar morrer.

O Jota Marques, morador do Rio de Janeiro e liderança, reuniu links para doações para as pessoas afetadas pelas chuvas. Se puder, ajude.

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Mariana Belmont

Mariana Belmont é jornalista, nascida em Parelheiros (extremo sul da cidade de São Paulo), trabalha com articulação e comunicação para políticas públicas. Atuou em cargos no governo sobre questões ambientais e de habitação na Prefeitura da cidade de São Paulo. Trabalhou como coordenadora de comunicação e articulação do Mosaico Bocaina de Áreas Protegidas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Foi Superintendente de Programas e Diretora de Clima e Cidade no Instituto de Referência Negra Peregum. Foi colunista do UOL e agora escreve mensalmente para a Gênero e Número. Também é ativista, parte de movimentos ambientalistas e periféricos. Recentemente foi editora convidada da Revista "Diálogos Socioambientais: Racismo Ambiental" da Universidade Federal do ABCD. É organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023). Atualmente é Assessora sobre Clima e Racismo Ambiental de Geledés - Instituto da Mulher Negra.

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