Argentinas se mobilizaram em todo o país e em outras cidades do mundo para pedir a legalização do aborto |Foto: Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito

Argentinas voltam às ruas para fortalecer debate sobre aborto em ano eleitoral

Projeto derrotado no Senado ano passado volta ao Congresso com mudanças, como a extensão do direito de interromper a gestação a todas as pessoas com útero e não apenas às mulheres

Por Maria Martha Bruno e Vitória Régia da Silva*

  • "Não votem em candidatos contrários aos nossos direitos"

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Milhares de mulheres, empunhando seus lenços verdes, tomaram as ruas da Argentina nesta terça-feira (28), em mais uma mobilização em favor do projeto de lei que legaliza o aborto no país até a 14ª semana de gestação. Com modificações, o texto foi apresentado no mesmo dia ao Congresso, pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito.  

A proposta chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados em junho de 2018, mas foi derrotada no Senado dois meses depois. Apesar de o projeto de lei ter sido barrado por uma maioria masculina, ele conseguiu movimentar multidões e mudar tom do debate público sobre os direitos das mulheres no país e na região, como mostramos na Gênero e Número.

“‘Perder’ o debate no ano passado não é argumento para não discutir mais o projeto, mas justamente para voltar a lutar para que o Congresso possa aprová-lo”, disse Paola García, diretora de Proteção e Promoção dos Direitos Humanos da Anistia Internacional da Argentina à Gênero e Número. Desde 2007, sete projetos de lei nesse sentido foram apresentados aos parlamentares, mas até agora nenhuma legislação foi sancionada.  

A nova proposta amplia o direito à interrupção voluntária da gestação não apenas para mulheres, mas para outras identidades com capacidade de gestar. Na justificativa, a Campanha menciona “o contexto da ampliação dos direitos de reconhecimento da identidade de gênero de cada pessoa”. Outra alteração proposta no novo projeto de lei é que o prazo de 14 semanas pode se estender nos casos de estupro e de risco para a saúde da pessoa gestante.

A derrota no Congresso no ano passado evidenciou ainda mais casos como o da menina Lucía, de 11 anos. Abusada sexualmente pelo marido de sua avó, ela havia conseguido, com a autorização da mãe, a permissão para interromper a gravidez. Porém, quando o procedimento seria realizado, no dia 27 de fevereiro, a enfermeira, o anestesista e a instrumentadora alegaram “objeção de consciência”, direito constitucional e individual que permite que profissionais da saúde não realizem procedimentos contrários às suas crenças.

Eles decidiram, então, praticar uma cesárea por conta própria, sem informar à mãe da menina. Em março deste ano, o bebê morreu. De acordo com a lei em vigor desde 1921, na Argentina é permitido interromper a gravidez nos casos de estupro e de risco para a vida da gestante.

"Não votem em candidatos contrários aos nossos direitos"

O projeto de lei modificado e apresentado esta semana pode voltar a ser debatido neste ano, mas a composição do Congresso continua a mesma da legislatura que rejeitou a proposta. Em outubro de 2019, a Argentina terá eleições gerais que vão escolher o próximo presidente e renovar parte da Câmara e do Senado para 2020.

“Ano passado o Congresso deu às costas a milhões de pessoas que se manifestaram a favor dos nossos direitos. O debate de 2018 deixou claro que esta luta está muito atenta aos anos de eleição e aos partidos políticos. Por isso, convocamos os eleitores a não votarem em candidatos contrários aos nossos direitos,” diz Laura Salomé Canteros, membro da Campanha.

Segundo Paola García, a renovação do legislativo é uma das apostas para a aprovação da lei. O projeto, segundo ela, dificilmente será votado ainda este ano por causa das eleições, mas a reapresentação do projeto teve também a intenção de manter a agenda forte no país.

“Vamos lutar para que o debate continue vivo durante o ano eleitoral. Com certeza, nenhum candidato à Presidência poderá se esquivar de emitir seu posicionamento sobre a questão”, ressalta a diretora da Anistia Internacional da Argentina. Ela destaca ainda o protagonismo dos jovens na campanha e o fato de que muitos dos que foram às ruas este ano e em 2018 farão sua estreia nas urnas em outubro. “Eles poderão escolher que tipo de perfil preferem ver no Congresso para discutir essa pauta”, finaliza.

No Brasil, a discussão sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez ainda caminha a passos lentos. Sem data para votação, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou em agosto de 2018 uma audiência pública sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. No dia 9 de maio deste ano, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tirou da pauta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5581, que pede a liberação do aborto em casos de mulheres grávidas diagnosticadas com o Zika Vírus.

* Maria Martha Bruno é editora e Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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