Milhares de mulheres, empunhando seus lenços verdes, tomaram as ruas da Argentina nesta terça-feira (28), em mais uma mobilização em favor do projeto de lei que legaliza o aborto no país até a 14ª semana de gestação. Com modificações, o texto foi apresentado no mesmo dia ao Congresso, pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito.
A proposta chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados em junho de 2018, mas foi derrotada no Senado dois meses depois. Apesar de o projeto de lei ter sido barrado por uma maioria masculina, ele conseguiu movimentar multidões e mudar tom do debate público sobre os direitos das mulheres no país e na região, como mostramos na Gênero e Número.
“‘Perder’ o debate no ano passado não é argumento para não discutir mais o projeto, mas justamente para voltar a lutar para que o Congresso possa aprová-lo”, disse Paola García, diretora de Proteção e Promoção dos Direitos Humanos da Anistia Internacional da Argentina à Gênero e Número. Desde 2007, sete projetos de lei nesse sentido foram apresentados aos parlamentares, mas até agora nenhuma legislação foi sancionada.
A nova proposta amplia o direito à interrupção voluntária da gestação não apenas para mulheres, mas para outras identidades com capacidade de gestar. Na justificativa, a Campanha menciona “o contexto da ampliação dos direitos de reconhecimento da identidade de gênero de cada pessoa”. Outra alteração proposta no novo projeto de lei é que o prazo de 14 semanas pode se estender nos casos de estupro e de risco para a saúde da pessoa gestante.
A derrota no Congresso no ano passado evidenciou ainda mais casos como o da menina Lucía, de 11 anos. Abusada sexualmente pelo marido de sua avó, ela havia conseguido, com a autorização da mãe, a permissão para interromper a gravidez. Porém, quando o procedimento seria realizado, no dia 27 de fevereiro, a enfermeira, o anestesista e a instrumentadora alegaram “objeção de consciência”, direito constitucional e individual que permite que profissionais da saúde não realizem procedimentos contrários às suas crenças.
Eles decidiram, então, praticar uma cesárea por conta própria, sem informar à mãe da menina. Em março deste ano, o bebê morreu. De acordo com a lei em vigor desde 1921, na Argentina é permitido interromper a gravidez nos casos de estupro e de risco para a vida da gestante.