Pais e responsáveis continuam tentando burlar as dificuldades do mercado de trabalho e garantir a alimentação dentro de casa.

Como famílias estão se virando com a alimentação das crianças sem aulas nas periferias de SP e RJ

Com a maior taxa de trabalhadores informais desde 2016 – 41,1% –, alimentar as crianças com escolas e creches fechadas se torna uma missão complicada para grande parte dos moradores de periferias

Por Elena Wesley, Glória Maria e Sanara Santos, do data_labe*

Achar soluções para dar conta de cuidar e alimentar os oito filhos tem sido a principal preocupação de Maria do Socorro, 36, e Claudinei Francisco, 34, moradores de Paraisópolis, no extremo sul da cidade de São Paulo. As crianças, que têm entre 2 e 12 anos, estão sem ir a escola há uma semana, desde quando o governo do estado decretou o fechamento das unidades de ensino como estratégia para conter a disseminação do Covid-19, o novo coronavírus.

Desempregados, os dois se revezavam para realizar bicos e cuidar das crianças. Hoje, por conta da pandemia, o dinheiro que antes ia para o aluguel e outras funções da casa precisa ir quase todo para encher a geladeira. O casal já sente na pele o efeito dominó do combate ao vírus que, ao pedir isolamento, impossibilita o trabalho, os cuidados com a saúde e a qualidade da alimentação das crianças – nas escolas a refeição é equilibrada e respeita normas nutricionais.

No Rio de Janeiro a situação se repete. É o caso de Letícia dos Santos, 44, mãe solo de uma criança de 8 e um jovem de 17, e com três sobrinhos de 5, 11 e 15 anos. Ela ainda calcula como vai ficar o gasto da família com alimentação desde que as crianças deixaram de fazer nove refeições por dia na escola. O orçamento familiar, que já era apertado, perdeu uma de suas principais fontes de renda: Letícia suspendeu as aulas de reforço que ministrava na casa onde mora no Cesarão, em Santa Cruz, na Zona Oeste do RJ.

Com a maior taxa de trabalhadores informais desde 2016 – 41,1% –, alimentar as crianças com escolas e creches fechadas se torna uma missão complicada para grande parte dos moradores de periferias. A qualidade da alimentação também é uma preocupação, já que nas redes públicas de ensino toda a refeição é feita seguindo normas que equilibram proteína, fibras e frutas nos cardápios.

Para driblar a situação, Maria do Socorro foi às escolas do seu bairro pedir ajuda e conseguiu algumas doações. “Esse mês eu consegui quatro diárias no valor de R$150, mas só pude ir em três. Recebo R$500 do bolsa família. Desses R$950, gasto R$200 com a alimentação. Já gastei R$100, que deu pra comprar dois pacotes de feijão, dois óleos, e seis leites. As crianças estão comendo cuscuz de manhã e arroz, feijão e macarrão no almoço, mas os alimentos não vão durar por muito tempo, e eu não sei como vou mantê-los”, conta. A maior quantia da renda mensal (R$ 550) vai para o pagamento do aluguel.

Já no Rio, a família de Letícia ficou de fora da entrega de mil cestas básicas realizada pela Secretaria Municipal de Educação na última quinta-feira. Isso porque a distribuição contemplou somente as crianças que compareceram à escola para almoçar. “Eu nem estava sabendo que eles deram cesta. Depois que a escola avisou que não teria mais aula, a gente não saiu mais de casa. Minha filha tem asma. Em dia de tempo muito ruim, eu nem a levo pra escola, porque dá crise e ela tem que usar a bombinha de quatro em quatro horas.”

Para compensar a suspensão da oferta diária de mais de um milhão de refeições, o prefeito Marcelo Crivella anunciou, nesta quarta, a distribuição de 50 mil cestas básicas, a partir da próxima segunda-feira (30), às crianças cadastradas nos programas Bolsa Família e Cartão Cidadão.

Já o governador Wilson Witzel, em entrevista coletiva, garantiu a entrega de um milhão de cestas para famílias cuja renda por integrante seja igual ou inferior a meio salário mínimo. A medida é parte do mutirão humanitário do governo estadual, que irá contemplar, em primeiro plano, municípios da Região Metropolitana. Mais de 650 mil crianças da rede municipal e cerca de 700 mil adolescentes da rede estadual ficaram sem merenda escolar após as medidas de isolamento.

Em São Paulo, em entrevista ao G1, o secretário municipal de educação, Bruno Caetano, anunciou que a entrega das merendas será feita em duas etapas: envio de cestas básicas ou a transferência de recursos em dinheiro.

Procurada, até o fechamento desta reportagem, a Prefeitura não respondeu os questionamentos sobre como pretende fazer a distribuição de merenda enquanto as escolas permanecem fechadas.

Com nada confirmado, pais e responsáveis continuam tentando burlar as dificuldades do mercado de trabalho e garantir a alimentação dentro de casa.

Veja aqui algumas dicas:

 

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*Este conteúdo faz parte da parceria da Gênero e Número com Azminadata_labe e ÉNois na cobertura do novo coronavírus, com foco em gênero, raça e periferia.

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