Sônia Guajajara: “Como mulher, sem dúvida, vou marcar posição e falar dessa representatividade”

Por Giulliana Bianconi

Foto: Mídia Ninja

A voz e o perfil de liderança de Sonia Bone Guajajara, 43 anos, já estavam em evidência na política partidária havia algum tempo. Agora, selado o compromisso de se lançar candidata à vice-presidência pelo PSOL nas eleições deste ano, junto ao líder do MTST Guilherme Boulos, ela inicia uma galeria até então inexistente: a de indígenas que querem ocupar o Palácio do Jaburu, que querem estar no centro do poder em Brasília e tratar sobre direitos sociais não apenas nos jardins do Congresso, mas na cadeira historicamente ocupada por homens. Nome já conhecido no parlamento brasileiro pela sua atuação ativista, a maranhense, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), estampava jornais já lá em 2010 ao entregar, durante a 16ª Conferência das Partes (COP), em Cancún, o Prêmio Motoserra de Ouro à então Ministra da Agricultura Kátia Abreu, que defendia mudanças nos Código Florestal e beneficiava ruralistas. Filiada ao PSOL desde 2011, para onde migrou depois de desistir do PT, legenda onde havia iniciado a participação na política partidária, Guajajara já estava decidida a concorrer a uma vaga de deputada federal, quando passou a ser sondada para a chapa principal do partido. Assumiu o desafio, escreveu uma carta na qual se posiciona e agora vai correr o Brasil atrás de votos. A Gênero e Número, ela comentou esse momento inicial e intenso como pré-candidata.

Gênero e Número – Qual a pauta central relacionada a políticas públicas indigenistas que precisa estar no debate eleitoral?

A bandeira de luta maior continua sendo a garantia dos direitos territoriais, ou seja, a demarcação das terras indígenas. Junto a isso, a proteção desses territórios e as condições para fazer a gestão desses territórios, pois somente assim podemos falar na existência dos povos indígenas.

Gênero e Número – A sua candidatura é uma novidade em chapas presidenciais, não apenas por se tratar de mulher indígena pleiteando um cargo tão expressivo na República quanto por não termos, há mais de 20 anos, um indígena ocupando uma cadeira no Congresso Nacional. Como as lideranças indígenas viram sua candidatura?

Foi uma construção. Não foi uma notícia distante que receberam de alguém. Não houve um informe, eu posso dizer. Em momento algum eu disse “eu sou a candidata”. Foi tudo um processo longo, que a gente, indígenas articulados, estamos construindo na política partidária e também fora dela, por um longo tempo. Então, quando a gente anunciou, o processo da minha candidatura, assim como outras candidaturas indígenas, já estava discutido. Houve, sim, uma surpresa quando vi a possibilidade de eu ser candidata como vice-presidente, mas já estava bem encaminhada a minha pré-candidatura como deputada  [federal] pelo PSOL.

Gênero e Número – O fato de você ser uma mulher líder teve alguma contribuição, na sua opinião, para que o seu nome ganhasse força nessa chapa junto ao Guilherme Boulos?

Ajudou, sim. Entendo que esse espaço que estou agora ocupando é importante não somente para maior empoderamento das mulheres – e não apenas das mulheres indígenas -, mas também para garantir que teremos um espaço de construção política diverso, onde há mulheres e homens que contemplam uma diversidade de pautas representativa do Brasil que temos. Eu já estava no Setorial Ecossocialista do PSOL, e venho trabalhando pela causa ambiental há muitos anos. A partir desse lugar, vamos falar sobre todos os direitos que consideramos imprescindíveis numa sociedade democrática. Como mulher, sem dúvida, vou marcar posição e falar dessa representatividade, e ir fazendo uma construção conjunta com o Boulos, com o programa do nosso partido.

No PSOL a pauta indígena ainda não é central, e alguma críticas já foram feitas por você mesma. O que foi fundamental para que você reconhecesse o partido como espaço viável para uma candidatura tão expressiva?

Temos vivido um processo de construção bem forte no partido, ainda mais nesses tempos de golpe. Isso envolve, inclusive, disputas dentro do próprio partido. Disputas saudáveis, mas que precisam ser feitas, porque ao longo do tempo fomos entendendo que as lideranças políticas indígenas também precisam ocupar espaços decisórios da política. O que temos hoje no PSOL nessa chapa é uma composição que já vinha sido construída pelos movimentos sociais, e que no âmbito do partido decidimos que seria importante conectar essas lutas nesse momento. São lutas não apenas do campo, mas das cidades também, e que para mim encontram no PSOL o espaço mais aberto e plural para o debate e a construção política.

Ouça: Sônia Guajajara em entrevista à Gênero e Número no podcast Coordenadas GN #4

Embora você já venha atuando politicamente há muitos anos, esse lugar, de pré-candidata, de quem disputa o Congresso de forma institucional, é novo na sua trajetória. Existe ainda uma adaptação a isso ou você se sente totalmente à vontade?

A gente já estava buscando essa ocupação na política institucional. Mas confesso que esse convite, que essa oportunidade de compor uma chapa majoritária, presidencial principalmente, nos causou surpresa e ao mesmo tempo foi uma oportunidade de a gente dizer “então vamos, vamos ocupar de uma vez por todas e buscar ir além do a gente já vem fazendo”, que é a partir de um movimento social. Então eu vejo como a continuidade da luta, a partir de um outro lugar, mas é uma sequência. O meu lugar de reivindicação e de participação sempre foi o movimento indígena, essa articulação com movimentos sociais. E ao acompanhar o Congresso, vemos muitas medidas ali tramitando, sem a participação indígena. Até o próprio direito de entrar ali nos é negado, então a gente entendeu que era importante ter representação indígena. Fomentamos as candidaturas indígenas nos Estados. No ano passado, a gente teve uma carta, da Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), que foi “Por um parlamento cada vez mais indígena”, e começamos a intensificar isso, incentivar as candidaturas. A gente não poderia ficar mais ficar esperando que as coisas mudassem por si só, teríamos que fazer essa ocupação também na política institucional.

E quantas pré-candidaturas indígenas já estão confirmadas? Entre elas, quantas mulheres?

A gente tem hoje já mais 10 candidaturas indígenas pelo PSOL, além de outras candidaturas que estão saindo por outros partidos. Temos três mulheres, e algumas outras a confirmar. Precisamos falar sobre diversidade e ter, de fato, mais diversidade. Como podemos seguir achando que tudo bem sermos representados e representadas sempre pelas mesmas pessoas, que não representam a diversidade que é a composição desse país? Estamos aí pelos povos indígenas, mas numa frente ampla, plural e diversa. [

*Giulliana Bianconi é jornalista e codiretora da Gênero e Número

Mais sobre Política 2018 – https://www.generonumero.media/politica-2018/

Contato – https://www.generonumero.media/contato

Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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