Foto: Saulo Cruz / Agência Câmara

Por expansão na Câmara, bancada evangélica deve intensificar discurso conservador em campanha

Segundo pesquisadora, projeção da bancada é eleger 120 deputados em 2018, mas imprevisibilidade do eleitorado e caráter mais difuso do voto na esfera federal não garantem ‘voto evangélico’ no Congresso; bancada não decidiu apoio a candidatos ao Planalto e é cortejada por presidenciáveis

Por Carolina de Assis e Vitória Régia da Silva*

  • 'Agenda moral'

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  • A bancada e a frente parlamentar

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  • Incógnita na Presidência

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Pelo menos 70% dos deputados e deputadas da bancada evangélica na Câmara buscam a reeleição ou uma vaga no Senado nas eleições de 2018, apurou a Gênero e Número. Outros 13% disseram ainda não ter definido se irão se apresentar ao pleito, apontando que a decisão ainda depende do partido ou de outras variáveis.

A Gênero e Número identificou 10 deputadas e 71 deputados como membros da bancada evangélica na Câmara Federal e entrou em contato com os gabinetes de todos eles. Pelo menos 54 devem disputar a reeleição e três vão tentar conseguir uma cadeira no Senado. Apenas dois – Fernando Torres (PSD/BA) e Josué Bengtson (PTB/PA) – disseram que não devem se candidatar nas próximas eleições.

Se em 2014 foi eleito “o Congresso mais conservador desde a ditadura militar”, segundo a pesquisadora Magali Cunha, a perspectiva para 2018 é que haja uma continuidade, acredita a especialista em mídia, política e religião e doutora em Ciências da Comunicação pela USP. “O Diap [organização civil que monitora o Legislativo federal] tem dito que a perspectiva é de não haver renovação significativa do Congresso e a bancada evangélica deve acompanhar essa tendência”, além de apresentar mais candidaturas de religiosos, diz ela.

“O projeto é crescer”, afirma Valdemar Figueredo, cientista político, pastor da Igreja Batista e doutor em mídia, política e religião pelo IUPERJ. Ele sugere olhar para as últimas eleições do Legislativo federal como indicativo do que vem por aí: em 2014, a bancada reelegeu 39 deputados e deputadas, segundo levantamento feito pelo Diap após o pleito.

Cunha afirma que a projeção da bancada é eleger 120 deputados em 2018, mas ressalva a imprevisibilidade do eleitorado e o caráter mais difuso do voto na esfera federal. Segundo ela, houve uma frustração das expectativas da bancada evangélica em 2014, quando o crescimento foi menor do que o esperado pelas lideranças políticas do setor. “Os eleitores da igreja não corresponderam às expectativas da bancada”, afirma. “Existe um voto evangélico muito localizado a nível local, para vereança, prefeitura e assembleia legislativa, mas no poder federal isso se fragmenta muito e não existe essa garantia dos votos das pessoas evangélicas.”

Figueredo aposta em uma radicalização do discurso na campanha eleitoral, com candidatos ao Legislativo e ao Executivo baseando suas campanhas em uma agenda conservadora, o que ele vê como um retrocesso. “Um tempo atrás você até podia querer fazer isso, mas você não colocaria isso como carro-chefe de uma campanha eleitoral. Você não declarava com tanto orgulho o quão conservador você é. Hoje isso é pauta e vai alavancar diversas candidaturas para combater, na visão deles, as ‘anomalias’ que representam alguns grupos sociais, como feministas, gays, quilombolas, indígenas.”

Dep. Shéridan (PSDB/RR) foi presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres (Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil)

'Agenda moral'

A abordagem conservadora da “agenda moral”, como classifica o cientista político, relacionada às liberdades individuais e aos direitos das mulheres e das pessoas LGBT+, são as que têm colocado a bancada evangélica em evidência desde 2010. Segundo Cunha, a bancada é fundamentalmente conservadora nesses temas desde sua primeira formação, no Congresso Constituinte, em 1987. A aliança com o governo Lula (2003-2010) deu força para o grupo evangélico, que se articulou com outros grupos conservadores no Legislativo federal na oposição aos direitos sexuais e reprodutivos.

Essa é a “trava” no apoio da bancada evangélica aos direitos das mulheres, diz a pesquisadora. A Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres (CMULHER) da Câmara conta hoje com sete deputados evangélicos, seis delas mulheres. A deputada Shéridan (PSDB/RR) foi presidente da comissão em 2017, e Benedita da Silva (PT/RJ) tem décadas de atuação próxima ao movimento feminista e de mulheres negras, lembra Cunha.

“A questão muda quando entramos nos direitos sexuais”, diz a pesquisadora. “Quando estamos falando de emprego ou de saúde, é tranquilo, mas quando tocamos nos direitos sexuais e no aborto, a coisa trava. Não há nenhum indício de abertura para esses temas na bancada religiosa de forma geral.”

A eleição em 2014 de mulheres evangélicas jovens – como Shéridan (PSDB/RR) e Bruna Furlan (PSDB/SP) – e negras – como Tia Eron (PRB/BA) e Rosangela Gomes (PRB/RJ) – criou expectativa de transformação nesse sentido, disse Cunha, mas isso não se concretizou. “Quando acompanhamos as posturas de mulheres, negros e jovens [na bancada], vemos que eles fecham com pautas conservadoras, mantendo essa característica da bancada evangélica. Esses grupos não estão fazendo diferença [para pautas de direitos vistas como mais progressistas] nessa bancada; pelo contrário, estão referendando o mesmo tipo de posição que já vem de muito tempo.”

A dedicação da bancada evangélica à “agenda moral” tem um quê de cortina de fumaça, diz Figueredo. “Em uma comunidade de fé, seria complicado o cara chegar e dizer ‘olha, precisamos estar no Congresso com tantos deputados porque precisamos de concessão de rádio e televisão’. Não é um discurso simpático, é pragmático demais para alguns. Mas se você vai diante do mesmo grupo e diz que precisa combater a ‘onda gay’, como eles dizem, já tem outra adesão.”

O pesquisador salienta que essa adesão ultrapassa determinados segmentos evangélicos – LGTfobia, misoginia e racismo não são intrínsecos a evangélicos e nem exclusividade desse grupo religioso. O desprezo a determinados grupos sociais e aos direitos humanos expressado por muitas lideranças políticas evangélicas ecoam em outros setores da população, religiosos ou não. “Não é só uma questão de falar para os evangélicos. É falar para um público muito maior. Eles não estão falando com o público religioso, mas com a cultura [brasileira], com a classe média dos grandes centros urbanos. Essa classe média pode odiar a estética religiosa, mas adora o discurso moral do grupo [evangélico]”, diz Figueredo.

A bancada e a frente parlamentar

Nem todos os 81 deputados da bancada constam da lista de 180 signatários da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, disponível no site da Câmara. Os últimos assinaram o documento para a conformação da frente, em novembro de 2015, mas não necessariamente estão engajados na bancada.

A presença nas comissões parlamentares ajuda a garantir os interesses dos deputados e de seus partidos e grupos políticos, já que as comissões têm funções legislativas e fiscalizadoras em temas diversos. A Câmara conta com 25 comissões permanentes, cujos membros têm como tarefas a emissão de pareceres sobre proposições legislativas que vão a Plenário e também a aprovação ou rejeição de PLs que não necessitam ser votadas por toda a Casa.

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) é a que mais conta com deputados da bancada evangélica como titulares. No momento, dois deles são vice-presidentes e outros 10 deputados são membros da CCTCI. Entre eles estão Marcos Soares (DEM/RJ), filho do televangelista R. R. Soares, e Franklin (PP/MG), radialista e pastor da Igreja Mundial do Reino de Deus, do televangelista Valdemiro Santiago, além de pelo menos três deputados ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, dono da Rede Record. O presidente da comissão, o deputado Goulart (PSD/SP), não faz parte da bancada evangélica, mas está na lista de signatários da FPE.

Entre as atribuições da CCTCI estão “outorga e renovação da exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens” e “regime jurídico das telecomunicações e informática”.

A relação intrínseca entre mídia, religião e política se evidencia também na força dos políticos evangélicos no Rio de Janeiro. O Estado é hoje o que mais tem deputados federais na bancada evangélica: são 14, quase um terço do total da bancada carioca na Câmara, que tem 46 deputados. São Paulo, Estado com maior representação na Câmara, com 70 deputados, tem 12 parlamentares na bancada evangélica.

O pesquisador Valdemar Figueredo lembra que o Rio de Janeiro é Estado com o menor percentual de católicos no Brasil (45,8%), segundo o Censo do IBGE de 2010, além de ser “o berço da Igreja Universal” – a capital carioca até 2014 abrigava a “sede mundial” da organização, transferida para o Templo de Salomão, em São Paulo. O  Estado tem lideranças evangélicas em nível nacional como Anthony Garotinho (PRP) e Eduardo Cunha (MDB) – ambos radialistas – e Marcelo Crivella, ex-senador, atual prefeito do Rio de Janeiro e bispo da Igreja Universal.

Incógnita na Presidência

O discurso ultraconservador nos costumes e anti-direitos humanos aproxima parte da bancada evangélica ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSL/RJ), e alguns parlamentares do grupo já abraçaram a pré-candidatura dele à Presidência. O televangelista Silas Malafaia, ligado à Assembleia de Deus, recentemente declarou seu apoio a Bolsonaro e disse que “80% do voto evangélico” irá para o pré-candidato.

No entanto, não está posto o apoio unificado da bancada evangélica a Bolsonaro ou a qualquer outro candidato ou candidata. O deputado Ronaldo Nogueira (PTB/RS), membro da bancada, se aliou ao presidente Michel Temer (MDB), pré-candidato à reeleição, para ajudá-lo a conseguir apoio da Igreja Universal e da Assembleia de Deus. Geraldo Alckmin (PSDB/SP) também corteja o voto evangélico.

“Há que se lembrar que esse pessoal [os grupos evangélicos] compõe em determinado momento na política, mas nos campos religioso e da comunicação, eles disputam”, diz Figueredo. “Os interesses não são comuns o tempo todo. Não há uma regra estabelecida. São mercados: o religioso, o de comunicação, o econômico. Há uma dinâmica, e a depender de cada instante, a cada momento, essas peças do tabuleiro vão mudando de posição e muda-se a estratégia.”

Nos últimos sete dias, a Gênero e Número entrou em contato e pediu entrevistas às deputadas Shéridan (PSDB/RR), Eliziane Gama (PPS/MA) e Geovânia de Sá (PSDB/SC) e aos deputados João Campos (PRB/GO) e Takayama (PSC/PR). Nenhum havia respondido até o fechamento desta reportagem.

*Carolina de Assis é editora e Vitória Régia da Silva é colaboradora da Gênero e Número.

Dados abertos: acesse aqui o levantamento da Gênero e Número sobre a bancada evangélica.

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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