Para enfrentar Bolsonaro e seu discurso que promove o medo, mulheres prometem ir às ruas defender democracia

Propostas defendidas pelo presidenciável Jair Bolsonaro se apoiam no medo despertado por altos índices de criminalidade, pelo discurso estereotipado sobre educação e gênero e sugerem a presença de “heróis”; Alerta para a possibilidade de retrocesso na conquista de direitos democráticos impulsiona a campanha #EleNão

Por Maria Martha Bruno e Vitória Régia da Silva *

  • O medo da educação sexual

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No dia 29 de setembro, milhares de mulheres devem ir às ruas de mais de 40 cidades do Brasil e do exterior para se opor a Jair Bolsonaro (PSL) e fazer frente  ao candidato que no momento lidera a corrida presidencial. A mobilização originada no grupo do Facebook “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, com mais de 3,3 milhões de perfis, acontece uma semana antes das eleições e ilustra a rejeição que ele tem entre 54% das eleitoras – maior proporção entre todos os candidatos, segundo pesquisa Ibope divulgada no dia 24 de setembro. As mulheres, como já se sabe, têm peso imenso nas urnas. Elas representam 7,5 milhões a mais de títulos eleitorais em 2018 em relação aos homens, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral.

A campanha #EleNão, nascida nas redes sociais, é um reivindicação coletiva pela não-eleição de um projeto que radicaliza o discurso contra os princípios da democracia. É também uma resposta a um “retrocesso que já acontece a olhos vistos”, na opinião de Maria Rita Taunay, uma das organizadoras do ato no Rio de Janeiro. O evento já movimenta desde blocos de carnavais a grupos acadêmicos de universidades. “Já temos nossos direitos reduzidos e enfrentamos uma sociedade misógina, com violência estrutural e feminicídio. Mas ele representa um nível maior de retrocesso. Não podemos permitir o que esse homem representa”, diz ela.

A Diretoria da Análise de Políticas Públicas, da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV), publicou nesta quarta-feira (26) estudo do monitoramento feito entre os dias 12 e 24 de setembro da hashtag #elenao no Twitter. É evidente a força de mobilização das mulheres, embora haja uma tentativa da narrativa #elesim pelos apoiadores do candidato.

 

Arte: Militão de Queiroz Filho

 

O medo não paralisa as mulheres, mas está presente, segundo estudiosas, na defesa do voto em Bolsonaro. No seu programa de governo, “O Caminho da Prosperidade”, Jair Bolsonaro destaca a segurança, saúde e educação como suas prioridades. Contra a criminalidade, o candidato defende a ampliação do encarceramento (“Prender e deixar preso! Acabar com a progressão de penas e saídas temporárias!”, segundo o texto), a redução da maioridade penal para 16 anos e a reformulação do Estatuto do Desarmamento (“para garantir o direito do cidadão à legítima defesa”).

Arte: Militão de Queiroz Filho

O estudo “Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil”, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2017, concluiu que a insegurança em relação à criminalidade aumenta a tendência de que o brasileiro apoie posições autoritárias. A avaliação foi baseada no nível de concordância com afirmações como: “O policial é um guerreiro de Deus para impor a ordem e proteger as pessoas de bem” ou “O que este país necessita, principalmente, antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé”. Na escala que vai de zero a dez, o “índice de propensão ao apoio a posições autoritárias” elaborado pelo trabalho chega a 8,1 no Brasil.

A advogada e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Isabel Figueiredo afirma que o discurso de Bolsonaro é pobre na área de segurança pública: “É até curioso como ele se vende com uma ideia de que é o candidato da segurança e tem inclusive muito apoio de profissionais do setor. Mas seu discurso é cheio de lugares-comuns e ele não detalha seu projeto para a segurança em seu programa de governo”.

Ela relaciona o resultado às altas taxas de criminalidade do país: “Isso [os números de violência] gera sensação de insegurança e medo. E o medo é péssimo conselheiro. Na segurança, [este sentimento] faz com que o totalitarismo e o apoio a posições conservadoras cresça nesse momento. [o medo] contribui para que as pessoas lidem de forma menos racional com a ideia da flexibilização de direitos.”

Brasília - O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O candidato, que está em seu sétimo mandato no Congresso Nacional, tem atuação constante nas comissões parlamentares do Congresso Nacional relacionadas a setores de segurança. Segundo apurou a Gênero e Número, nos seus últimos quatro mandatos, a comissão de que Bolsonaro mais participou foi a de Relações Exteriores e Defesa Nacional, seguida da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. “As soluções de Bolsonaro são sempre de endurecimento. Mas ele não está sozinho nisso. Se formos avaliar, nos últimos anos, a atuação do Congresso Nacional é muito parecida com esse discurso”, pontua Isabel.  “Quando ocorre uma crise no setor, o Congresso assume três frentes: cria novos crimes, aumenta as penas dos crimes que já existem e endurece o regime de cumprimento de pena”. São três medidas punitivistas. “Equivocadas por princípio e comprovadamente ineficazes para diminuir a violência”, opina Figueiredo.

Em 28 anos como parlamentar em Brasília, Bolsonaro aprovou apenas
dois projetos, nada que se relacionasse à segurança. Bolsonaro costuma afirmar que tão importante quanto apresentar propostas é rejeitá-las e lembra, em entrevistas, de votações como a que barrou o material didático de educação a homofobia, em 2011.

O medo da educação sexual

O partido pelo qual Bolsonaro atuou entre 2016 e 2018, o PSC, foi o que mais apresentou projetos de Lei com a proposta do Escola sem Partido nas assembleias legislativas, como já mostrou a Gênero e Número em reportagem. No Rio de Janeiro, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho mais velho do candidato a presidente,  iniciou na Casa os PLs que tratam do assunto, em 2014. Numa entrevista na bancada do Jornal Nacional, no último 28 de agosto, o presidenciável voltou a levantar a bandeira do enfrentamento à ideologia de gênero, mostrando livro que faria parte do “kit gay” e polemizando sobre o material. Colocando-se sempre como opositor a programas de educação sexual, ele costuma estereotipar o debate de gênero com frases de efeito sobre o que seria a consequência da educação sexual na escola. “Há escolas em que aprender tabuada é menos importante do que saber se um menino vai fazer amor com outro menino no futuro”. O discurso reverbera em grupos evangélicos extremamente conservadores, entre outros.

Para Isabel Figueiredo, o candidato sustenta uma plataforma que está na contramão da democracia: “Ele parte do princípio da exclusão do diferente. Quando a gente não tolera negros, índios, mulheres e pessoas que tenham outra orientação sexual que não a  nossa, isso é um princípio antidemocrático. Ele já fez declarações demonstrando isso em diferentes ocasiões”. No que se refere às pautas de segurança pública, segundo ela, o caráter antidemocrático de Bolsonaro “se concretiza em propostas que vão contra o próprio Estado de Direito.”

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“Para mim, não tem que ter Lei de Feminicídio. Se cometeu um crime tem que cumprir 30 anos de cadeia. Não é mais grave [do que homicídio]” — Jair Bolsonaro, candidato à presidência pelo PSL

Em entrevista concedida ao canal Globonews em agosto deste ano, Jair Bolsonaro afirmou ser contra a Lei do Feminicídio, aprovada em 2015 em votação da qual ele não participou, abstendo-se. Ele reiteradamente desqualifica a lei, prioriza, em seu projeto de governo de 81 páginas, a menção às mortes de policiais militares, e os classifica como “Herois Nacionais”.  Para crimes de violência contra a mulher, como o estupro, ele propõe castração química. Desde 2013 tramita no Congresso o PL 5398/2013, de autoria de Bolsonaro, que “aumenta a pena para os crimes de estupro e estupro de vulnerável, exige que o condenado por esses crimes conclua tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual como requisito para obtenção de livramento condicional e progressão de regime.”

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“O candidato trabalha com ideias perigosas e com instâncias que partem de um princípio de violações de direitos” — Isabel Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

É com o discurso punitivista que encontra eco no eleitorado conservador que Bolsonaro promove a sua imagem. À reboque disso, vem o semblante assustado de uma imensa parcela do eleitorado que não valida propostas que escalam a violência como política de estado.

No entorno, vê-se um Congresso que tende a ser mantido com muitos representantes que abraçam o discurso radical e antidemocrático, como mostrou a Gênero e Número em reportagem. Portanto, o “bolsonarismo” está posto para 2019, mesmo em caso de derrota do Bolsonaro nas eleições. Resta saber se o medo vai ceder ou vencer nas urnas. As mulheres estarão na rua antes disso, dia 29. “Os atos serão muito organizados, com adesão enorme, nossa rede é potente e extensa”, afirma Maria Rita Taunay.

* Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número

*Vitória Régia da Silva é jornalista e colaboradora da Gênero e Número

Giulliana Bianconi

É jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco, cofundadora e diretora da Gênero e Número. Atualmente também se dedica a pesquisar e a escrever sobre movimentos de mulheres e sobre desigualdades de gênero e raça na América Latina. Possui especialização em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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