Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A opacidade do sistema penitenciário brasileiro

Por Carolina de Assis

Carolina de Assis

Para edição sobre encarceramento da Gênero e Número, buscamos junto a órgãos federais e estaduais dados sobre as condições prisionais de mulheres e travestis e sobre a internação de meninas cumprindo medida socioeducativa restritiva de liberdade, assim como informações sobre os custos ao Estado do encarceramento de mulheres. Constatamos que grande parcela destes dados, produzidos por diferentes órgãos estatais, são esparsos, inconsistentes e contraditórios – isso quando existem.

Começamos nosso trabalho a partir da principal base de dados sobre população carcerária no Brasil: o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, ou Infopen. Este sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro vinha sendo atualizado pelos gestores dos estabelecimentos prisionais e divulgado semestralmente desde 2004. No entanto, a última atualização dos relatórios analíticos do Infopen no site do Ministério da Justiça é de dezembro de 2014, e os últimos dados brutos abertos são de junho de 2014. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) não disponibiliza dados sobre a população carcerária brasileira há três anos.

Em nossa apuração, descobrimos que uma nova edição do Infopen, referente ao ano de 2016, está prestes a ser divulgada. Foi o que ouvimos de pesquisadores envolvidos no levantamento e de funcionários do Ministério da Justiça. No entanto, as previsões de lançamento eram adiadas a cada contato telefônico que fazíamos com a pasta.

Em busca de dados mais atualizados, encontramos um relatório do Conselho Nacional do Ministério Público publicado em dezembro de 2016 referente ao sistema prisional brasileiro naquele ano. Tivemos acesso aos dados brutos apresentados no documento “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro – 2016” e a partir deles conseguimos extrair informações sobre os índices e os regimes de encarceramento de mulheres em cada Estado.

Assim como o sistema que encarcera mulheres adultas, o sistema de medidas socioeducativas funciona a nível estadual. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), instituído em 2012 e abrigado no atual Ministério dos Direitos Humanos, passou a ser responsável pelo Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, que deveria ser divulgado anualmente. No entanto, o último levantamento disponível também é o de 2014, como o Infopen, e não traz o recorte de gênero necessário à nossa abordagem.

Recorremos então à Lei de Acesso à Informação (LAI) para mapear a restrição de liberdade de meninas em cumprimento de medidas socioeducativas pelo país, enviando requisições de informação aos governos das 27 unidades federativas brasileiras. Enquanto alguns poucos nos responderam adequadamente no prazo estipulado pela lei, a maioria enviou respostas incompletas e um sequer respondeu – uma clara infração à lei, que estabelece o prazo de 20 dias para resposta, com a possibilidade de mais 10 dias de prorrogação, e a obrigatoriedade de uma justificativa caso o pedido de acesso seja negado.

A incompletude dos dados sobre meninas em cumprimento de medidas socioeducativas impossibilitou a conclusão de nossa reportagem sobre o tema a tempo para a publicação nesta edição. Declarações de especialistas da área e nossa observação dos parcos dados que conseguimos coletar nos levaram à conclusão de que não são produzidos dados específicos sobre as meninas no sistema de medidas socioeducativas no Brasil.

“A opacidade do sistema penitenciário é uma escolha política”, comentou a psicóloga Vilma Diuana de Castro, nossa entrevistada desta edição, sobre a falta de dados públicos e abertos sobre as prisões no Brasil. Para Vilma, que trabalha há 30 anos no sistema prisional do Rio de Janeiro e foi uma das realizadoras de uma pesquisa nacional sobre mulheres encarceradas, tal opacidade é simultaneamente causa e consequência da situação calamitosa das prisões brasileiras, e só a pressão da sociedade civil pode levar o Estado a assumir suas responsabilidades.

Dados abertos:

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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