Os dados da Previdência dos últimos 15 anos mostram estagnação no perfil predominante de aposentadorias entre as mulheres brasileiras. De 2002 a abril de 2017, apesar de ganharem espaço e relevância no mercado de trabalho, elas continuaram a representar a maioria das aposentadorias ativas por idade: eram 62,5% dos benefícios ativos e passaram a 63% no período. A predominância feminina entre as aposentadorias por idade reflete a posição historicamente mais frágil que elas ocupam ao se aposentar; são estas as aposentadorias concedidas aos trabalhadores que completam 15 anos de contribuição ao INSS, mas não alcançam os 30 anos necessários para se aposentar por tempo de contribuição.
“Esse valor estagnado reflete o fato de que as mudanças tendem a ser relativamente lentas. O debate sobre a inserção da mulher na previdência possui erros, existe alívio na idade e não no tempo de contribuição, quando devia ocorrer o oposto”, afirma o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Milko Matijascic. Ele explica que a inserção da mulher no mercado de trabalho é mais frágil e, portanto, fixar um número menor de anos de contribuição faz todo o sentido, aliviando a carga dessa inserção desfavorável.
Pelas atuais regras da previdência, quem se aposenta por idade, em geral, teve relação mais precária com o mercado de trabalho ao longo da vida, sem conseguir se manter em um emprego com carteira assinada por um período mais longo. Em geral, o valor do benefício por idade também é mais baixo do que por tempo de contribuição.
A situação desfavorável que as mulheres encontram ao se aposentar é mais um indicativo da série de distorções que elas enfrentam ao longo da vida profissional. Trabalhando em vagas informais e ganhando menos apesar de serem mais escolarizadas, elas sofrem com a sobrecarga que acumulam como responsáveis pelos cuidados com a família em meio à ausência de uma rede pública de apoio, como a oferta insuficiente de vagas em creches gratuitas.
“Qualquer que seja a forma pela qual você analise o mercado de trabalho, a mulher estará sempre em posição inferior ao homem. E se for negra, ela está em situação mais inferior ainda”, explica a consultora legislativa Tânia Andrade, especialista em direito do trabalho e autora do estudo técnico “Mulheres no mercado de trabalho: onde nasce a desigualdade?”, publicado em julho do ano passado. “Elas acabam se aposentando em trabalhos precários e passam mais tempo desempregadas ao longo da vida, porque se tem uma crise, são as primeiras a ser demitidas. Por isso acabam se aposentando por idade e ganhando o valor mínimo”, diz a pesquisadora.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 88% das brasileiras acumulam dupla jornada de tarefas domésticas e trabalho pago. Entre os homens, esse número cai quase pela metade (46%). Associam-se a esses encargos femininos, segundo Tânia, as tarefas cotidianas de cuidados com filhos, idosos e pessoas enfermas, em regra, a cargo da mulher. “Desse modo, o acesso à creche é indispensável para que as mulheres possam exercer atividades remuneradas”, diz a pesquisadora. Segundo pesquisa da FGV/DAPP sobre as creches públicas em atividade em 2015, a oferta consegue atender apenas 19% da população de 0 a 3 anos. Matijascic , do Ipea, destaca que a sobrecarga é ainda mais pesada entre as famílias mais pobres, formada majoritariamente por mulheres que criam os filhos sem a ajuda do pai.
Embora o avanço seja insuficiente, há também boas notícias nos dados da Previdência. As mulheres ganharam algum espaço entre as aposentadorias por tempo de contribuição; de 2002 para 2016, a participação delas entre as aposentadorias ativas por tempo de contribuição subiu de 21,6% para 32%, avanço que reflete a maior entrada das mulheres no mercado de trabalho. Além disso, quando se compara o total de homens e mulheres ocupados em 2014, a proporção de contribuintes para a previdência em relação ao total é superior para as mulheres, algo que não ocorria em 2005 e em 1995, de acordo com dados do estudo “Previdência para as mulheres no Brasil: Reflexos da inserção no mercado de trabalho”. “A presença das mulheres aumentou em benefícios com maior densidade de contribuição, como as aposentadorias por tempo de contribuição, e perdeu força nas pensões por morte, pois o modelo baseado no homem provedor do lar perdeu força e novos arranjos familiares ganham espaço”, afirma a pesquisa do Ipea.