Lançamento da pesquisa #QuemCodaBr no Rio de Janeiro | Foto: Valda Nogueira/Olabi Makerspace

Mulheres e pessoas negras são apenas 1/3 dos profissionais de tecnologia e inovação, aponta pesquisa

Estudo #QuemCodaBr mostra que não há nenhuma pessoa negra em 32,7%  das equipes que trabalham com tecnologia no país; mapeamento do PretaLab reúne os perfis de profissionais negras que atuam no setor

Por Vitória Régia da Silva*

  • Falta de diversidade nas equipes

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  • Mapeamento de profissionais negras

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Homem, branco, heterosexual, jovem e de classe socioeconômica média e alta. Este é o perfil dos profissionais de tecnologia do Brasil, segundo a pesquisa #QuemCodaBr, da PretaLab, iniciativa de inclusão de mulheres negras na inovação e na tecnologia, e do ThoughtWorks, consultoria global de software, divulgada na última semana de agosto. Apesar de mulheres e pessoas negras representarem mais da metade da população brasileira, (51,5% e 53,9% respectivamente, segundo IBGE, em 2015), esses grupos ainda são minoria entre os profissionais da área. 

Os homens representam 68% dos profissionais de tecnologia segundo a pesquisa, enquanto mulheres são 31,5% e pessoas intersexo, 0,3%. Os brancos representam 58,3% dos profissionais, contra 36,9% de negros, 4% de amarelos e 0,3% de indígenas. Além disso, a maior parte do profissionais são heterosexuais (78,9%), com apenas 10,2% de homossexuais, 7,8% de bissexuais e 2% de pansexuais. 

“Essa disparidade entre a população brasileira e os profissionais de tecnologia é uma questão estrutural. Por exemplo, meninas nunca são incentivadas a criar, a se interessar por tecnologia ou serem cientistas. Elas são estimuladas a cuidar das pessoas e investir nas profissões ligadas ao cuidado. Estamos imersos em uma cultura que distancia as mulheres dessas áreas, e isso se reflete no mercado de trabalho, na universidade, e nos cursos voltados à tecnologia. Quem encabeça essas áreas, em maioria, são homens brancos”, afirma a diretora de projetos do Olabi (organização voltada para a diversidade em tecnologia e inovação), coordenadora do PretaLab e mestre em Cultura e Territorialidades pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Silvana Bahia à Gênero e Número.

A pesquisa #QuemCodaBr entrevistou 693 pessoas em 21 estados, incluindo o Distrito Federal. Os dados foram coletados entre os meses de novembro de 2018 e março de 2019, em um questionário online com perguntas qualitativas e quantitativas.

Levantamento do Censo Superior de Educação em 2016, feito pela Gênero e Número, mostrou que as mulheres são pouco mais de 15% do total de ingressantes nos cursos na área de informática no país. Elas enfrentam o machismo de professores e colegas para se manter e avançar no mercado de tecnologia da informação. Além disso, as mulheres negras são 32% das alunas em cursos na área de computação.

 

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Falta de diversidade nas equipes

Apesar de 98% da entrevistados concordarem que diversidade é algo importante para o ambiente de trabalho, os dados mostram que as equipes de tecnologia ainda são muito homogêneas. Em 32,7% dos casos, não há nenhuma pessoa negra nas equipes de trabalho e, em 68,5% dos casos, elas representam no máximo 10% dos membros.

No caso de indígenas, pessoas com deficiência e mães, a disparidade ainda é maior. Em 95,9%, não há nenhuma pessoa indígena nas equipes de trabalho em tecnologia; em 85,4% não há nenhuma pessoa com deficiência, e em 62% não há nenhuma mãe. Ademais, em 77% das equipes, no máximo 10% dos profissionais declaram orientação diferente de heterossexual.

O primeiro passo para implementar diversidade nas equipes de trabalho em tecnologia no Brasil, segundo Bahia, é reconhecer que ela não existe nesses espaços. E, a partir disso, devem ser criadas políticas de inclusão. “Precisamos primeiro reconhecer que isso é um problema, para depois transformar essa realidade de alguma forma. No caso do gestor de uma empresa, por exemplo, ele pode estimular essa inclusão ao olhar para a forma como são comunicadas as vagas e analisar a criação de ambientes hostis para pessoas que estão fora do grupo dominante”, destaca a coordenadora do PretaLab. 

Nesse sentido, a permanência dessas pessoas também deve ser uma política das empresas. “Estamos sempre falando de acesso, só que o acesso tem que vir acompanhado de uma outra percepção, de que é necessário também manter essas pessoas nesses espaços”, diz Silvana Bahia.

[+] Leia também: Mulheres reprogramam o gênero dos cursos superiores de tecnologia no Brasil

Mulheres Negras Pautando o Futuro. PretaLab/Olabi Makerspace. Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2019. Foto: Valda Nogueira

Mapeamento de profissionais negras

Concomitante ao lançamento da pesquisa, o PretaLab  lançou uma nova ferramenta que reúne os perfis de profissionais negras que trabalham com tecnologia. O mapeamento tem como objetivos conectar mulheres negras entre si, criar uma ponte com o mercado de trabalho que quer ser mais inclusivo e transformar o índice de empregabilidade das mulheres negras. A taxa de desocupação de mulheres negras (13,3%), segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2016, do IBGE, é maior em comparação com homens brancos, homens negros e mulheres brancas. 

“Essa ferramenta nasce de um levantamento em 2017 e como uma resposta para esse mercado que diz que não encontra pessoas negras qualificadas para essas vagas. As mulheres negras lideram os piores índices de empregabilidade e existe um mercado de tecnologia em ebulição,  onde falta mão de obra. Queremos juntar essas duas questões: resolver o problema da falta de diversidade na tecnologia e mudar o cenário de exclusão das mulheres negras no mercado”, conclui.

*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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