Câmara dos Deputados deve triplicar número de eleitas para alcançar 30% das cadeiras | Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A luta pelos 30%: com fatia garantida do Fundo Eleitoral e da TV, eleição de mulheres para o Legislativo ainda é desafio

Casas legislativas precisam no mínimo dobrar número de eleitas em 2014 para que elas ocupem 30% das cadeiras em 2019; pesquisadora aponta “efeito Dilma” e “má vontade dos partidos” como obstáculos à eleição de mais mulheres

Por Lola Ferreira*

Carolina de Assis

  • Efeito Dilma

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Daqui a três dias, as casas legislativas do país – estaduais, distrital e federais – terão novos nomes para ocupar suas cadeiras a partir de 1º de janeiro de 2019. Este ano marcado por avanços das mulheres na política, com determinação de reserva de 30% dos recursos eleitorais dos partidos para elas, e também por organização delas nas ruas, com atos em todas as regiões do país contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), pode se refletir no resultados das urnas. No entanto, levantamento da Gênero e Número mostra que as assembleias estaduais, a Câmara Distrital, a Câmara dos Deputados e o Senado têm um longo caminho a percorrer caso queiram ter mulheres em pelo menos 30% das cadeiras.

Este índice é o mínimo de candidatos de cada gênero que cada partido ou coligação deve apresentar para a disputa de cargos proporcionais – Legislativo municipal, estadual e distrital e Câmara dos Deputados – segundo a lei 12.034/09. Na prática, acaba sendo um piso para a presença de mulheres nas listas de candidatos, já que os homens dominam as estruturas partidárias e a política formal.

A ocupação dos 30% não significa equidade de gênero na política, mas poderia ser um passo dado no caminho já vislumbrado de avanços conquistados neste ano. A doutora em Ciência Política pela UnB (Universidade de Brasília) Patrícia Rangel ressalta que o ideal seria 50%, mas reconhece que estamos longe disso e que políticas recentes de incentivo à eleição de mulheres podem significar maior presença delas nas casas a partir de 2019. Entretanto, Rangel não acredita que a mudança em 2018 será tão significativa em relação a 2014. Ela avalia que o crescimento de movimentos como o feminismo contribui para a mudança social de entendimento do lugar das mulheres na política, mas sozinho não é suficiente.

“Não aconteceu nenhuma transformação social radical em relação à igualdade de gênero e aos feminismos. Muito pelo contrário: o que aconteceu foi retração em relação às mulheres, com impeachment de Dilma Rousseff, ataque aos direitos e desmonte de políticas públicas. No cenário, é até de se esperar que o número caia, mas considerando que siga a tendência,  [a proporção de mulheres] não passa de 13% nas assembleias e 11% na Câmara dos Deputados”, acredita.

Nas casas estaduais, a única assembleia legislativa que elegeu o mínimo de 30% de mulheres em 2014 foi a do Amapá, com elas ocupando oito das 24 cadeiras. Na outra ponta, as casas com menos mulheres são do Amazonas e do Mato Grosso: uma mulher em cada, que representa 4% do total das 24 cadeiras. Para alcançar o mesmo que o Amapá conseguiu em 2014, Amazonas e Mato Grosso têm que eleger, neste ano, sete mulheres a mais do que no último pleito.  

Os Estados que têm que eleger em 2018 mais mulheres, em números absolutos, para chegar ao mínimo de 30% são os mais populosos: Minas Gerais e São Paulo. Em 2014, cinco mulheres foram eleitas para a Assembleia Legislativa de Minas e 10 foram eleitas para a casa estadual paulista, quantidade distante das 24 e 29, respectivamente, que seriam ideais para alcançar os 30%.

No Sudeste, o Estado que tem que eleger menos mulheres para alcançar a fatia é o Espírito Santo, que elegeu quatro mulheres em 2014 e deveria eleger mais cinco para alcançar as nove que representariam o mínimo de 30% na Ales.

 

 

Mesmo os Estados que têm que eleger menos mulheres, numericamente, rumo aos 30% em 2019 nas assembleias legislativas, ainda têm um caminho árduo. Acre e Sergipe têm que eleger oito mulheres em 2018, o que significa dobrar a quantidade: em 2014, cada uma das casas estaduais elegeu quatro mulheres. Exceto o Amapá, que já cumpriu a “meta” em 2014, todos os Estados têm que, pelo menos, dobrar o número de mulheres eleitas para alcançar os 30% das assembleias legislativas já em 2018.

Para a pesquisadora, os avanços alcançados pelos movimentos de mulheres, como o direito a receber pelo menos 30% dos recursos eleitorais de seus partidos – Fundo Partidário, Fundo Eleitoral e tempo de propaganda em TV e rádio -, não incidirão diretamente em maior número de eleitas.

“Os recursos financeiros continuam sendo centrais. É fundamental ter dinheiro para fazer campanha: um candidato não se elege sem dinheiro. Mas o tempo de TV parece ter diminuído sua importância, enquanto ganha espaço o que é feito nas mídias sociais, nas redes”, analisa.

Efeito Dilma

A pesquisadora analisa o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff sob o viés da misoginia. Rangel considera que, durante o processo, Rousseff foi qualificada com atributos historicamente associados a mulheres quando se pretende deslegitimá-las, como “histéricas”, principalmente na política. Esse processo teria influenciado também na forma como a população enxerga mulheres no processo eleitoral.

Dilma Rousseff no dia da sua posse como presidente reeleita. | Foto: Nilson Bastian/Câmara dos Deputados

Rangel avalia que o que ocorreu em 2016 está conectado ao aumento do número de candidatas à vice-Presidência – elas são cinco dos 13 potenciais vices em 2018 – em chapas encabeçadas por homens. Seria um indicativo de que, neste ano, o entendimento é de que mulheres devem permanecer fora do protagonismo político.

Na Câmara dos Deputados, o número de eleitas terá que ser triplicado para garantir que elas sejam ao menos 30% dos parlamentares na casa. Ainda assim, seriam cerca de 200 homens a mais do que mulheres. No Senado, a proporção de mulheres eleitas em 2014 foi a maior da média das casas: 19% entre as 27 vagas daquele pleito. Mas, para alcançar 30% das 81 cadeiras nas eleições deste ano, teríamos que eleger 20 mulheres para o cargo, 37% das 54 vagas em disputa em 2018.

 

Brasilia

 

Para a pesquisadora, a baixa representação das mulheres é resultado da forma como os partidos conduzem as campanhas. Ela destaca que a cota de gênero já era prevista desde 1997, pela lei 9.504, que determinava a reserva de pelo menos 30% das vagas para candidatos de cada sexo. Antes da obrigatoriedade do preenchimento das vagas, que veio com a lei lei 12.034/09, a participação política das mulheres foi completamente “esquecida” pelos partidos, avalia.

“A distribuição dos recursos vai passar por decisões dos líderes partidários, aí fica a minha incerteza da eficácia desse mecanismo [neste ano]. Se tudo passa pelos partidos, que são instituições machistas, racistas e elitistas, vai depender deles a boa vontade de boa aplicação desses recursos. Os recursos têm alto poder de transformação, mas depende da boa vontade dos partidos. E os partidos mostram que, historicamente, não têm respeito às candidaturas de mulheres”, opina.

Sair desses 10% que cercam a maioria das casas legislativas e avançar rumo aos 30% e depois aos 50% de mulheres no Legislativo é o ideal. Mas se a cada eleição o avanço é de cerca de 1 ponto percentual (elas foram 9% em 2010 e 9,9% em 2014), demoraríamos pelo menos 80 anos para chegar aos 30%. Ainda assim, qualquer crescimento é bem-vindo, diz a pesquisadora. “O Legislativo tem como missão representar a população, então ele deve ser uma miniatura da composição da população que, hoje, tem 52% de mulheres”, lembra.

*Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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