Marcha das Mulheres no país teve combate ao feminicídio como bandeira este ano |Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Jovens apontam violência contra mulher como um dos principais problemas do Brasil

Desigualdade racial, no entanto, não aparece entre as dez principais preocupações de entrevistados em pesquisa da Anistia Internacional

Por Vitória Régia da Silva*

Vitória Régia da Silva

  • Terrorismo, xenofobia e racismo

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A violência contra a mulher e a desigualdade de gênero estão entre as principais preocupações dos jovens brasileiros, de acordo com a pesquisa “Futuro da humanidade”,  da Anistia Internacional, divulgada nesta terça (10/12). Lançado na data que marca o Dia Internacional dos Direitos Humanos, o estudo evidencia os principais problemas da atualidade para a juventude. A violência contra a mulher aparece na quarta posição (28%), enquanto a desigualdade de gênero vem em nono lugar (17%). 

“Como a juventude tem uma visão mais crítica dos papéis sociais de gênero, ela enxerga a violência e a desigualdade de forma mais aguda”, destaca Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil em entrevista à Gênero e Número. Para ela, a importância do estudo é mostrar que a juventude tem capacidade de analisar a conjuntura atual e dar suas contribuições sobre como solucionar os principais problemas do país.

Para Thais Custodio, economista e pesquisadora da ONG Redes da Maré, o movimento feminista tem impulsionado a juventude a falar mais sobre as questões de gênero. “Estamos vivendo um momento de muitos retrocessos no país e os nossos governantes os têm endossado ainda mais. O corpo feminino tem sido alvo de muitas violações de direito e quando se trata de mulheres jovens o cenário é ainda pior”.

Os dados comprovam o cenário de violência contra a mulher no país. Elas foram quase 67% das vítimas de agressão física no Brasil em 2017, segundo os números mais recentes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, apresentados no Mapa da Violência de Gênero. O cenário de vulnerabilidade é ainda maior para mulheres LGBT+s e negras. No país, seis mulheres lésbicas são estupradas por dia e as negras são 64% das vítimas de assassinatos entre as mulheres.

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A questão mais importante para maioria da juventude brasileira foi a corrupção (48%), seguida da falta de acesso à saúde de qualidade (32%) e à educação de qualidade (30%). A pesquisa realizada pela Ipsos MORI, em nome da Anistia Internacional, ouviu mais de 10 mil jovens – com idades entre 18 e 25 anos – em 22 países de seis continentes, incluindo o Brasil. Os jovens foram convidados a opinar sobre o estado atual dos direitos humanos em seu país e no mundo, além de apontar quais questões eles consideram mais importantes e quem deveria lidar com elas.

Terrorismo, xenofobia e racismo

As desigualdades racial e de gênero também se destacam em nível global. Segundo a pesquisa, a desigualdade racial ocupa o quinto lugar da lista (21%), enquanto a violência contra as mulheres (19%) está em sétimo e a desigualdade de gênero (15%), em décimo.

“O mundo está enxergando como problema do racismo tem recrudescido globalmente. Desde o 11 de setembro – com a perseguição contra os árabes até crise migratória da Europa, que fechou as fronteiras para impedir a imigração – esses jovens cresceram em meio a essa agenda e contexto. A xenofobia é um dos braços do racismo e está muito presente na vida dos jovens do mundo inteiro”, disse Werneck. 

Enquanto aparece como um problema prioritário no mundo, a desigualdade racial no Brasil só apareceu na décima primeira posição e foi indicada apenas por 17% dos entrevistados brasileiros. “Foi surpreendente. Porque já confrontamos o mito da democracia racial – os dados e a mídia mostram essa desigualdade. Isso está em pauta. Então surpreende que a desigualdade racial não tenha aparecido como uma das principais preocupações”, pontua a diretora da Anistia Internacional Brasil. 

Já para a pesquisadora da Redes da Maré, o país ainda vive o mito da democracia racial, em que essas questões não são prioritárias para a grande maioria da população e muitos ainda não acreditam que o Brasil é um país racista. “Até existe a indignação de uma parte da população, mas na prática não há nenhum movimento contrário. Isso é racismo estrutural.”

A economista ainda ressalta que a discussão do racismo não deve ser exclusiva de pessoas negras, mas de toda a sociedade. “Sabe-se que não é de interesse da população branca, que continua perpetuando seus privilégios, inclusive de uma juventude branca que milita pelo direitos das mulheres sem enxergar que as mulheres pretas estão na base da pirâmide e sofrem muito mais com violência do que mulheres brancas, por exemplo.”

Em outros estudos recentes, o racismo institucional foi observado entre a maioria dos entrevistados. No estudo “Nós e as Desigualdades”, realizado pela Oxfam em parceria com o Instituto Datafolha, 70% dos entrevistados perceberam que a raça influencia as contratações das empresas, as abordagens policiais e as decisões da Justiça. 

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Dados e reportagens da Gênero e Número também evidenciam essa desigualdade em todas as áreas. As vítimas de violência policial no Brasil são majoritariamente negras, tanto entre homens quanto entre mulheres, conforme apontam dados exclusivos obtidos junto ao Sinan, do Ministério da Saúde. Na saúde, a taxa de mortalidade de mulheres pretas no parto foi duas vezes maior do que a de brancas, nos últimos dez anos. Na educação, as doutoras negras são menos de 3% entre docentes da pós-graduação.

Os governos deveriam ser o principal responsável por garantir a proteção dos direitos humanos no mundo, segundo 73% dos entrevistados. E cerca de 60% jovens concordam com a afirmação de que os direitos humanos devem ser protegidos mesmo que tenham um impacto negativo na economia.

* Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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