A senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE). Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Há 20 anos, Sergipe é Estado de uma mulher só no Congresso Nacional

Sergipe encabeça a lista dos Estados com menor representatividade de mulheres no Legislativo, enquanto Paraná, Paraíba e Pernambuco não chegam a 3% de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados nos últimos 24 anos – e estes dois últimos também não elegeram nem uma mulher para o Senado

*Por Nana Soares

Carolina de Assis

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Maria do Carmo do Nascimento Alves. Há duas décadas a senadora é a única mulher escolhida pelos eleitores de Sergipe para ocupar um cargo de expressão nacional. O Estado de 2 milhões de habitantes e 1,5 milhão de eleitores nunca elegeu uma mulher para a Câmara dos Deputados, situação ímpar mesmo em um país com um dos piores índices globais de presença de mulheres na política. Quem chegou mais perto foi Tânia Soares (PCdoB), que entre 2001 e 2002 saiu da suplência da chapa para ser titular no cargo. Mas, nas urnas, os oito representantes escolhidos pelos sergipanos para a Câmara sempre foram homens.

Já no Senado, Maria do Carmo (DEM) é a primeira mulher a conseguir se eleger por três mandatos consecutivos – 1998, 2006 e 2014. A senadora, advogada de formação, entrou na política depois do marido João Alves Filho, duas vezes prefeito de Aracaju e três vezes governador do Sergipe. Antes da primeira vitória nas urnas como senadora, ela ficou em terceiro lugar na disputa pela prefeitura da capital em 1996. Em entrevista por e-mail a Gênero e Número, Maria do Carmo declarou que seu gênero fez diferença em sua trajetória política. Isso porque ela credita sua eleição ao Senado a trabalhos realizados como primeira-dama de Sergipe, especialmente na área de assistência social, como o programa “Pró-mulher, Pró-família”, de assistência médica.

“Esse tipo de trabalho me trouxe ao Senado e desde então atuamos com uma pauta feminina para que a mulher tenha cada vez mais espaço não apenas na política”, disse ela, acrescentando ser “lamentável” a falta de outras mulheres no Congresso pelo Estado. “Temos sergipanas competentes para exercer cargos de liderança política com maestria, mas muitas mulheres encontram barreiras culturais e  históricas, que tornaram suas candidaturas praticamente inviáveis. Queremos mudar essa realidade, assegurando o cumprimento de percentuais mínimos de participação feminina nas eleições e proporcionando as condições necessárias, reforçando uma cultura de igualdade entre os sexos e de maior representatividade feminina”.

No entanto, a atuação da senadora não é marcada por pautas comuns aos movimentos de mulheres, como descriminalização do aborto ou mesmo a participação das mulheres na política. A maior proximidade se dá com os temas de saúde da gestante e licença-maternidade. É de sua autoria o Projeto de Lei do Senado (PLS) 119/2015, que prevê um “botão do pânico” para mulheres vítimas de violência e com pedidos de medidas protetivas.  

De mandato discreto, Maria do Carmo também não tem o costume de discursar em plenário. Um levantamento do site Congresso em Foco de 2014 destacou a ausência da senadora nas votações da Casa e a baixa quantidade de proposições em seus dois primeiros mandatos. Nas mais recentes votações controversas no Senado, ela foi favorável ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016, e não compareceu à sessão sobre a reforma trabalhista, em julho de 2017.

Onde estão as mulheres de Sergipe?

Se elas ainda não conseguiram chegar à Câmara dos Deputados, as sergipanas representam um número razoável na Assembleia Legislativa do Estado – ainda longe da paridade, mas acima da média nacional. Elas foram 25% das eleitas em 2006 e 2010 e 16,7% das eleitas em 2014 para a Alese. No último pleito, foi inclusive de uma mulher a maior votação entre as candidaturas à Assembleia de Sergipe: Sílvia Fontes (PDT), com 42.613 votos. No âmbito municipal, o índice foi um pouco menor: as eleições de 2016 deixaram o Estado com 13,5% de prefeitas e 16% de vereadoras.

Como explica Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Grupo de Pesquisas sobre Democracia e Desigualdades, embora exista a possibilidade de que a política local seja mais permeável às mulheres, isso não significa que esse âmbito também não tenha filtros que impedem o acesso da mulher a cargos políticos. Para a pesquisadora, o problema da baixa representação de mulheres não se dá por resistência dos eleitores na hora do voto, mas sim por entraves no campo partidário e institucional como o parco financiamento, a pouca divulgação das campanhas e as violências institucionais contra as mulheres.

“As últimas eleições presidenciais mostram que os brasileiros não se recusam a votar em mulheres”, disse Biroli. “O que acontece é que as candidaturas têm que estar apoiadas em dinheiro, em apoio de políticos locais, em tempo de mídia e de palanque. São vários os componentes que tornam os potenciais de vitória tão distintos entre homens e mulheres, não basta ter um conjunto de candidaturas se elas não têm o mesmo valor.”

De fato, estes são elementos que fazem a diferença. Em 2014, 35% das candidaturas à Câmara por Sergipe foram de mulheres, um pouco mais do que os 30% estabelecidos por lei. Mas com apenas 9,9% do fundo partidário, segundo o levantamento “Mais Mulheres na Política”, da Procuradoria Especial da Mulher do Senado, nenhuma delas se elegeu. Para as deputadas estaduais, esse percentual foi de 17,3%, bem abaixo dos 29,5% destinados em 2010.

Leia também: Brigando por espaço nos partidos, candidatas vão acessar receita inédita neste ano

Maria do Carmo é exceção. Ela já chegou a receber 90% dos recursos partidários para o cargo nas eleições de 2006. Na opinião da senadora, o financiamento das campanhas é crucial para aumentar o número de parlamentares mulheres, e ela é uma defensora da cota de 30% do Fundo Eleitoral destinada às candidaturas delas. “Sem financiamento de campanha não dá sequer para preencher as cotas de gênero como prevê a lei”, disse a senadora. Para ela, aumentar a participação das mulheres na política exige, além do cumprimento da lei de representação, “que o eleitorado conheça as propostas dos partidos e das mulheres que os representam. Também é importante atuar amplamente para que a cultura discriminatória diminua e finalmente, no futuro, acabe de uma vez. A dupla jornada de trabalho, os encargos emocionais e de absorção do tempo feminino são hoje desafios culturais que nossa sociedade tem que vencer, para que as mulheres possam ocupar o espaço público com liberdade e autonomia, sem sentir remorsos ou estar sendo cobrada por abandonar a casa e a família”.

 

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'Filtros' culturais e institucionais

Quando assessorou a vereadora de Aracaju Lucimara Passos (PCdoB), Aline Braga garante que perdeu as contas das agressões recebidas pela vereadora em plenário vindas de seus colegas homens na Câmara Municipal. Um caso emblemático aconteceu em novembro de 2014 quando o então vereador Agamenon Cabral (PPS) usou o termo “vagabunda” em plenário para se referir a uma noiva que teria casado sem calcinha, episódio que acabou com vários Boletins de Ocorrência contra ele. “É frustrante porque essa sensação de aceitação [das ofensas] perpassa toda a sociedade. Não só o agressor, mas os muitos homens omissos que presenciaram as agressões e não tomaram nenhuma atitude para demonstrar repúdio”, diz ela.

Na visão de Aline, há no Estado uma forte oposição às oligarquias locais, mas ela julga que Sergipe ainda é muito afetado por estes grupos e pelo conservadorismo político – onde ela inclui a senadora Maria do Carmo Alves. “Ela representa a elite, é branca e não abarca nenhum discurso de representatividade. Pelo contrário, ela e seu companheiro fazem parte da oligarquia que consegue se manter no poder ao longo do tempo. No meu entendimento, sua permanência no Senado diz respeito à força de seu grupo político e não a um tipo de conscientização sobre ela ser mulher”.

Nesse ponto, Flávia Biroli lembra que há estudos que mostram que tanto homens quanto mulheres beneficiam-se de estarem inseridos em grupos políticos tradicionais. Já o que é um “privilégio” das mulheres e outras minorias são os obstáculos de diversas ordens para inserir-se na política.

Aline Braga, que foi assessora parlamentar na Câmara Municipal de Aracaju. (Arquivo pessoal)

Segundo a pesquisadora da UnB, o espaço político-institucional tem mecanismos que funcionam como filtros para a presença de mulheres, que somados às relações de gênero do cotidiano acabam por fazer com que metade da população esteja extremamente sub-representada politicamente. Em geral as mulheres têm menos incentivos para engajar uma candidatura, como o acesso desigual à renda e ao tempo (por conta da dupla e tripla jornada) e a divisão sexual do trabalho, diz ela. “Isso é a base de muitos estereótipos de gênero que recaem sobre as mulheres de forma diferente dos homens”, completa.

Já no campo político strictu sensu, Flávia lembra que os partidos sempre foram controlados por homens e que a lógica é trabalhar para que sejam eles os sucessores. É o menor número de mulheres em posições de diretoria, menor financiamento às campanhas, tempo de mídia, entre outros. “Isso não significa que as mulheres não atuem politicamente; significa que há desincentivos, uma hierarquia entre os gêneros”, diz. “Quando deputadas brasileiras comentam a dificuldade de se manter na carreira, isso remete às questões cotidianas de gênero e o custo que uma carreira política têm para as mulheres quando elas são um grupo minoritário”.

Bárbara Nascimento, candidata a deputada estadual em 2014 pelo PSOL de Sergipe, enfatiza ainda que o resultado da falta de representatividade de sergipanas no Congresso é que as pautas nacionais têm dificuldade de se comunicar com o Estado. “As mulheres vivem em um cenário de muita vulnerabilidade, mas é difícil que as políticas se conectem com as pontas, tendo em consideração que nem todas as eleitas estão alinhadas com as lutas das mulheres”, diz Bárbara. “Violência doméstica ainda é um tema que consegue unir diversas frentes políticas, mas discussões como a descriminalização do aborto e saúde de mulheres negras não”.

A jornalista e ativista pontua que a falta de representatividade das mulheres em Sergipe é um assunto em evidência nos movimentos sociais, mas ainda pouco consolidado na sociedade em geral, especialmente fora da época de eleição. Embora reconheça desigualdades estruturais em seu Estado, Bárbara não acha que Sergipe seja fundamentalmente pior do que o resto do Brasil. “O que acho é que nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, com grande visibilidade na política nacional, o debate está mais consolidado. Talvez seja um dos motivos para que Estados nas periferias do Brasil tenham mais dificuldade em inserir mulheres”.

Barbara Nascimento foi candidata a deputada estadual no Sergipe. (Arquivo pessoal)

Ano de incertezas

Em ano eleitoral, as ativistas seguem incertas quanto ao futuro das mulheres na política sergipana: há esperança por conta da maior visibilidade das pautas feministas, mas ela acompanha o medo da crescente composição conservadora da política brasileira. “O que ficou nítido nos últimos pleitos é que a primavera das mulheres não é uma coisa passageira. O movimento feminista cresce em todo o Brasil e há perspectiva de melhora, mas como vamos conseguir fazer isso é outra questão, porque o processo eleitoral de 2018 está ameaçado. Estamos em um cenário muito difícil”, diz Nascimento, reforçando que consolidar vitórias feministas é um processo demorado.

Biroli sublinha que eleger mulheres não significa contemplar as pautas dos movimentos organizados. “Falamos muito da quantidade de mulheres, mas é toda uma agenda que está sob ataque. Em 2018 vislumbro um aumento de candidatas eleitas, mas mulheres pertencentes a bancadas religiosas”. Na análise da pesquisadora, as igrejas ganham peso em uma eleição com partidos enfraquecidos.

Alerta vermelho

Outros estados também merecem atenção pela baixíssima representatividade de mulheres até mesmo para os padrões brasileiros. Paraná, Paraíba e Pernambuco não chegam a 3% de mulheres eleitas para a Câmara nos últimos 24 anos – e estes dois últimos também não elegeram nem uma mulher para o Senado.

Isabel Cavalcanti de Albuquerque, fundadora da rede de mobilização Meu Recife, diz que a equipe da organização, formada 100% por mulheres, sempre encontrou dificuldades para ser respeitada nas instâncias políticas da capital pernambucana, recebendo até beijo na testa de vereadores. Por isso, não surpreende a ativista que tão poucas mulheres tenham saído vitoriosas das urnas no Estado, já que mesmo os partidos de esquerda, segundo ela, evidenciaram mais os candidatos homens. Em 2014, Pernambuco não cumpriu a cota mínima de 30% de candidatas nem para a Câmara dos Deputados, nem para a Assembleia Legislativa.

“É fácil colocar a culpa no eleitor se não há visibilidade nas candidaturas de mulheres, porque não tem como um eleitor votar em quem ele não conhece. Mas é só evidenciando essas mulheres que o eleitor pode cumprir o papel de decidir por sua eleição ou não. O X da questão está mesmo dentro dos partidos”, avalia Isabel.

Em Rondônia, a média nas últimas eleições ficou em quase 15%, mas por causa de uma única mulher: Marinha Raupp. Deputada há seis mandatos, ela só teve companhia de mulheres de seu Estado em 2014, quando Mariana Carvalho também compôs a bancada rondoniense na Câmara, e em 2002, quando Fátima Cleide foi eleita senadora. A Gênero e Número tentou entrevistar a deputada, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

*Nana Soares é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.

 

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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