Quando um grupo de alunos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) se dispôs a discutir gênero e sexualidade em uma escola pública a uma semana das eleições gerais de 2018, nenhum dos integrantes pensou que seria tão difícil. Com apoio de uma professora da instituição e com o aval da diretora do colégio estadual selecionado, foram até a unidade distribuir folhetos para explicar conceitos básicos sobre gênero, sexualidade e apresentar a metodologia. Em uma época de ânimos acirrados e radicalização de opiniões políticas, acreditavam no potencial da discussão, mas tiveram de recuar: alunos, professores e pais pressionaram a direção escolar, que decidiu abolir o projeto.
O episódio acima foi relatado pela estudante Dalai Torres, do curso de Ciências Sociais da UFRJ, à Gênero e Número. A desistência teve um motivo crucial: “nossa segurança”, ela conta. O temor de Torres também é sentido pelo professor Donizete Batista, da UFV (Universidade Federal de Viçosa), em Minas Gerais. Um dos coordenadores do grupo “NÃO RECOMENDADXS – Grupo de Pesquisa em Sexualidade, gênero e interseccionalidades”, ele afirma que no último ano já sente um aumento da repressão e cerceamento da discussão sobre gênero.
“Um termômetro do início desse processo foi a agressão que a Judith Butler sofreu ao visitar o Brasil. Acredito que a partir de 2019 vai haver maior perseguição a essas pesquisas. A gente teme muita coisa: o [corte no] direcionamento de verbas para os grupos, a participação em congressos e eventos sobre o tema. É um momento bastante conturbado nesse sentido”, revela.
Criado em 2018, o grupo coordenado por Batista é um dos mais recentes certificados pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Localizado no campus de Rio Parnaíba, cidade com cerca de 12 mil habitantes, o professor reconhece a importância da discussão, apesar de ressaltar que serão tempos difíceis: “Ano passado, uma professora de escola pública nos procurou para irmos até lá falar sobre gênero e foi muito interessante. Um avanço. Mas hoje eu acho que isto seria praticamente inviável, porque há uma caça às bruxas”, diz.
O Não Recomendadx é um dos 122 grupos de pesquisa com no máximo quatro anos de existência que levam “gênero” no nome, são certificados pelo CNPq e que estão nas áreas de Ciências Humanas ou Ciências Sociais Aplicadas. No total, com estas características, são 358 grupos. Na análise feita pela Gênero e Número, foram desconsideradas as áreas de Biológicas, Saúde e Linguística, pois a ideia era visibilizar as áreas mais relacionadas aos Estudos de Gênero propriamente ditos.
Os grupos dentro do recorte analisado que têm mais de 15 anos de existência são 58, mas a quantidade de grupos que discorrem sobre o tema aumenta mais que o dobro quando analisados os que têm de cinco a nove anos de existência: são 126.
A Gênero e Número apurou que as únicas instituições que têm mais de 10 grupos de discussão de gênero são a UFRJ, a UFF (Universidade Federal Fluminense) e a UFPA (Universidade Federal do Pará). A UFF, aliás, chama a atenção por cerca de 60% dos seus grupos terem no máximo quatro anos de existência, indicando que houve uma ampliação do interesse pelas linhas de pesquisa nesse tema A UFRJ também encabeça, juto com a UFG (Universidade Federal de Goiás), a lista das universidades que criaram mais grupos de gênero entre 2010 e 2014: foram seis. A única instituição que não tem ensino superior e consta na lista é o Colégio Pedro II, onde o grupo existe há pelo menos um ano.
Ser um colégio em meio a essa lista é um dos motivos que levou o presidente Jair Bolsonaro, ainda quando era deputado federal, a afirmar que a instituição era um “balão de ensaio tomado por marginais do MST”. Em outras ocasiões, o hoje presidente acusou a instituição de propagar “ideologia de gênero”.