Na edição n.9 da Gênero e Número, colocamos o debate sobre gênero no lugar em que ele mais precisa estar: nas salas de aula. A educação básica envolve hoje no Brasil mais de 53 milhões de alunos e 11 milhões de docentes, segundo o Censo Escolar 2017, e se configura como um espaço com enorme potencial de transformação social pelas possibilidades de criação de novos mundos a partir das trocas que ocorrem dentro dos muros das escolas.
Por isso mesmo, a educação é um perene campo de batalha entre diferentes forças políticas em prol de seus projetos de sociedade. No Brasil, essa disputa se acentuou nos últimos anos com a reação conservadora a um projeto de país mais inclusivo, com mais acesso a educação e mais direitos para grupos historicamente marginalizados como mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTs.
Essa reação atende por alguns nomes: “Escola sem Partido” e “ideologia de gênero”, como conta a jornalista Mariana Bastos em uma das reportagens desta edição. Os projetos de lei que buscam interditar o debate sobre gênero e diversidade sexual em sala de aula explodiram pelo país no último ano: identificamos 91 PLs apresentados em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas. Também levantamos os partidos que mais apresentaram PLs em 2017: PP, PSC, MDB e PSDB. Especialistas ouvidos pela Gênero e Número apontam uma tentativa de políticos conservadores de se promover em cima dessa questão em torno da qual há tanta desinformação, além de uma reação a greves de professores e ocupações de escolas por estudantes.
Como não falar de gênero em sala de aula, se essa é uma dimensão tão essencial à identidade e à vivência de cada uma e cada um de nós? Essa questão é ainda mais premente em relação a estudantes e docentes transgênero, alvos de transfobia também dentro das escolas e, muitas vezes, por parte da própria instituição.
Um passo importante foi dado com a portaria 33 do Ministério da Educação, promulgada em janeiro de 2018, que estabeleceu que todos os estabelecimentos de ensino devem adotar o nome social de estudantes trans nos registros escolares. A reportagem da jornalista Lola Ferreira conta essa história e enumera outros direitos importantes que ainda precisam ser assegurados para que estudantes e docentes trans tenham uma vivência escolar mais positiva. E na reportagem em vídeo da edição, a Gênero e Número foi até a Escola Estadual Rodrigues Alves, em São Paulo, que é a unidade da rede estadual paulista com mais registros de estudantes com nome social. As alunas e os docentes que ouvimos destacaram o quão rico é o compartilhamento de experiências diversas de vida e de ser dentro da escola, e como todas e todos ganham com o debate livre e aberto sobre qualquer tema.
Na entrevista da edição, conversamos com a educadora Tânia Mara Cruz, que destacou um ponto que faz toda a diferença nessa questão: a formação de professoras e professores. “É necessário tratarmos sobre feminismo, gênero, raça e sexualidade na formação de professores, sim.” Os argumentos de Cruz vêm também da constatação de que as dinâmicas das relações de gênero e étnico-raciais atuam na interação entre crianças na escola, e que o machismo e o racismo afetam a vivência escolar de crianças desde o começo do ensino fundamental.
O racismo também seria um dos impedimentos à efetivação da lei 10.639/2003, que estabeleceu o ensino de cultura e história afro-brasileira nas escolas e que, 15 anos após sua sanção, ainda não foi completamente implementada, segundo afirmaram especialistas entrevistados pela colaboradora Vitória Régia da Silva. A reportagem mostra o movimento de organizações civis junto ao sistema judiciário para tentar obrigar escolas e governos a colocarem a lei em prática. “A história do povo negro não pode mais ser retratada apenas como sinônimo do tráfico escravo, como historicamente se deu nas escolas brasileiras”, disse Giselle dos Anjos Santos, consultora do Centro de Estudos de Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), a Gênero e Número.
E quem seriam as professoras e os professores responsáveis por essa formação? Mergulhamos nos dados do Censo Escolar 2017 e traçamos um perfil dos docentes da Educação Básica no país. As mulheres são maioria absoluta: 68,4% dos docentes nos ensinos fundamental e médio. No entanto, elas são minoria na rede federal, onde os homens são 57,8% do total de docentes. Curiosamente, a rede federal de ensino tem a remuneração mais alta, superando as redes municipal, estadual e privada, segundo o Inep. Como não falar de gênero na escola?
Acompanhe a Gênero e Número também no Twitter, Facebook e Instagram.