Especial 8M: “Eu não voto em alguém por ser mulher ou negra. Voto porque acredito que essa pessoa vai trazer mudanças”

Tânia Terezinha da Silva, uma das dez prefeitas pretas do Brasil, defende maior participação das mulheres na política, mas não tem gênero e raça como critérios para formação de seu gabinete

Vitória Régia da Silva *

Segundo a prefeita, a sociedade ainda tem dificuldades de enxergar mulheres em posição de gestão|Foto: Leonardo Boufleur/Prefeitura de Dois Irmãos

 

Em 2012, quando chegou à prefeitura da cidade de Dois Irmãos, Tânia Terezinha da Silva (MDB) se tornou um peixe fora d’água na paisagem local. No município, 91,5% da população é branca, segundo o IBGE. Tânia é hoje uma das dez prefeitas pretas do Brasil, e a única no sul do país. Natural da cidade também gaúcha de Novo Hamburgo, ela adotou Dois Irmãos no início da década de 1990.  Sua gestão foi um dos destaques do Prêmio Projeto Inovador, da Rede Cidade Digital, em que recebeu o título de Prefeito Inovador do Rio Grande do Sul, em 2018.

A prefeita está hoje em Brasília para o workshop: Prefeitas Brasileiras na Vanguarda da Ação Climática organizado pelo Instituto Alziras com participação do como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em  comemoração o Dia Internacional da Mulher.

Em entrevista à Gênero e Número, a prefeita, que se despede do cargo no final deste ano, defendeu a candidatura de mais mulheres a cargos públicos e deixou claro que, embora valorize mais agenda de gênero que a de raça, nenhuma delas é determinante para suas escolhas: “Nas secretarias, temos duas secretárias mulheres e o restante são homens. Eu busco fazer algo plural, mas não vou ser hipócrita de dizer que ser negro ou mulher são condições para trabalhar com a gente”.

Confira trechos da entrevista a seguir:

Gênero e Número: Em entrevista ao Diário Gaúcho a senhora disse que nunca havia sofrido preconceito, mas olhares de desconfiança. A que atribui estes olhares? 

Quando eu cheguei em Dois Irmãos em 1990, a comunidade era bem pequena. Então quando chegava uma pessoa estranha, independente se era negro ou branco, todos ficavam olhando. Preconceito de cor, se teve na minha vida eu não senti, mas eu sou uma pessoa que não percebe certas coisas. Se existiu, pobre da pessoa que fez, porque não me atingiu.

Gênero e Número: Que tipo de dificuldades enfrentou no cargo por ser mulher e por ser negra? Algum episódio em particular?

Como prefeita não enfrentei nenhuma. Como no Rio Grande do Sul sou a única prefeita negra, todos já me conhecem. E como já era do meio político, eu já chego nos lugares com as pessoas me reconhecendo nesse cargo. O que eu senti e sinto até hoje é a diferença de ser mulher em um cargo do Legislativo. Quando eu era presidente da Câmara dos Vereadores, as pessoas olhavam primeiro para os homens, achando que uma deles seria o presidente. E eu vejo que isso ainda acontece com as prefeitas em primeiro mandato. Independente da cor, sempre julgamos a mulher como sendo a secretária ou a auxiliar, e não como quem está fazendo a gestão. 

Além disso, na própria gestão do dia a dia, a mulher tem que trabalhar muito mais, tem que mostrar muito mais eficiência e tem que fazer um esforço gigantesco para comprovar sua eficiência pelo seu trabalho. Temos que conquistar todo dia nosso espaço. Isso é um exercício diário para as mulheres e não é só na política.

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Preconceito de cor, se teve na minha vida eu não senti, mas eu sou uma pessoa que não percebe certas coisas. Se existiu, pobre da pessoa que fez, porque não me atingiu.

Gênero e Número: Além da senhora, o Brasil possui somente nove prefeitas pretas eleitas em 2016. O que este dado diz sobre o país?

Primeiro, eu fico orgulhosa por fazer parte desse número. Mas uma outra questão que isso revela para mim é: quantas candidatas nós tivemos na última eleição? Será que isso não passa pelo conhecimento de empoderar as mulheres para fazer parte desse sistema político? E falo de brancas e negras. É um questionamento que eu faço, porque eu acho necessário trabalharmos o conhecimento da política e dar oportunidades para mudarmos este cenário. 

E na minha percepção, eu não voto em uma pessoa por ser mulher ou negra, eu voto porque acredito que essa pessoa vai trazer mudanças. Eu não posso me conformar que alguém vai votar em outra pessoa por isso, mas que vota por acreditar no projeto dessas pessoas. Eu estou nesse lugar, porque as pessoas acreditaram que a nossa gestão iria fazer a diferença. Quando um candidato concorre a um cargo, ele não pode contar que apenas a comunidade negra vai votar nele, é preciso ter um olhar e uma política para todos. 

No Rio Grande do Sul, Dois Irmãos se destaca como a cidade com IDHM alto e condições gerais para moradores | Foto: Facebook / Prefeitura de Dois Irmãos

Gênero e Número: Como foi sua a trajetória pessoal e política?

Eu sou a sexta filha, a mais jovem, de Pedro Lindomar da Silva e de Roza Antonia da Silva. Nasci em Novo Hamburgo (RS) e na década de 1990 me mudei para Dois Irmãos. Meu pai nunca foi político, mas sempre politizado. A minha mãe sempre foi uma mulher muito forte, foi empregada doméstica por muitos anos e passou em concurso público como servente de escola. 

Eu sempre quis trabalhar na área da enfermagem, por isso, com 15 anos fiz [curso] técnico e com 16 já comecei a trabalhar em hospital. Depois de casar e ter meu primeiro filho, não quis trabalhar mais lá. Por isso, em 1990, fiz um concurso para enfermagem e passei em primeiro lugar para trabalhar em Dois Irmãos. 

A cidade é predominantemente branca, formada principalmente de descendentes de alemães, e só tinha uma família de negros. Quando cheguei no município, comecei a trabalhar um projeto chamado “Saúde nas escolas”. E como sempre gostei muito de conversar e me comunicar com as pessoas, acredito que este meu envolvimento foi o que trouxe um diferencial no atendimento. 

Por isso, em 1995 fui convidada a me filiar ao MDB. Como aprendi a não perder nenhuma oportunidade na vida, eu me filiei. Na época, ainda sem cotas femininas, fui convidada a ser candidata a vereadora. Fui eleita pela primeira vez em 1996, sendo a quarta mais votada da cidade.  

Em 2000, tentei a reeleição. Porém, como durante a campanha estava passando por um momento complicado, porque estava me separando, não consegui me dedicar completamente e não fui eleita. Fui para a suplência. 

Depois da eleição, devido ao meu trabalho na área da saúde, fui trabalhar como chefe do Posto Municipal  24 horas. Fiquei no cargo por oito anos. Na eleição de 2004, fui convidada para ser candidata pelo partido, mas não aceitei. Em 2008, começou no partido a discussão sobre a necessidade de mulheres no pleito, por isso, o MDB foi incisivo na minha volta à carreira política. Nesse pleito, fui a vereadora mais votada da cidade, fiquei bem feliz e consegui desenvolver um trabalho muito importante durante esse mandato. Nesse período, fui a primeira presidente mulher da Câmara Municipal.

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Independente da cor, sempre julgamos a mulher como sendo a secretária ou a auxiliar, e não como quem está fazendo a gestão. 

Gênero e Número: E como surgiu seu nome para a prefeitura?

O  meu nome como prefeita surgiu de baixo para cima. Durante as pesquisas do partido, as pessoas  falavam o meu nome como uma possível candidata à prefeitura. O partido não teve opção. Como minha rejeição era muito pouca, eu fui alçada à candidata, em 2012. Foi uma campanha linda, sem dinheiro nenhum. E eu vejo que isso é comum nas campanhas femininas, temos sempre pouco dinheiro. Nós fizemos uma campanha de porta em porta, muito acirrada. O adversário era  um homem branco, loiro, de uma família constituída. Enquanto eu era uma mulher negra, divorciada e com filhos. Ele tinha tudo para ganhar a eleição. Nós ganhamos por uma diferença cerca de 500 votos. Em em 2016, fui reeleita. A alegria da reeleição foi mais forte que da primeira eleição, porque a diferença foi maior, o que quer dizer que as pessoas acreditavam em nós e aprovaram  nosso governo.

Gênero e Número: Por que decidiu entrar para a política? 

Eu nunca pensei que um dia seria vereadora ou prefeita. As coisas foram acontecendo na minha vida. Eu só via muitas coisas que poderiam melhorar na cidade e queria contribuir para essas melhoras. Achei que como vereadora poderia fazer isso. Mas como vereadora entendi que a atuação é limitada para o que eu queria fazer. Quando eu aceitei ser candidata, embora sem saber muito, aceitei querendo fazer a diferença na vida das pessoas. 

Gênero e Número: Quais as suas aspirações ao deixar o cargo, no fim deste ano? O que pretende fazer na política e fora dela?

Em 2020 não serei candidata a nenhum cargo. O que eu pretendo fazer, e vou lutar muito para isso, é de ter oportunidade de ajudar o empoderamento e apoderamento da mulher na política, para que não existam mais candidatas laranjas e que as mulheres tenham mais conhecimento sobre política. Pretendo fazer isso no partido, se tiver espaço, ou fora dele. Quando se fala em política, focamos na  política partidária, mas quero pensar em um política para todos.

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Isso é comum nas campanhas femininas, temos sempre pouco dinheiro. Nós fizemos uma campanha de porta em porta, muito acirrada. O adversário era  um homem branco, loiro, de uma família constituída. Enquanto eu era uma mulher negra, divorciada e com filhos.

Gênero e Número: Possui secretárias ou funcionários negros no gabinete? Em quais cargos?

Nós temos, segundo o IBGE, uma parcela pequena de pessoas que se declaram pretas. Se fosse para colocar meus filhos, que são pretos, seria nepotismo. Para as secretarias, eu preciso de pessoas que tenham conhecimento, para dar o respaldo às ações que vou tomar. No gabinete, tenho predominância de mulheres trabalhando e uma pessoa negra, mas não tenho pessoas negras em cargos de confiança. Nas secretarias, temos duas secretárias mulheres e o restante são homens. Eu busco fazer algo plural, mas não vou ser hipócrita de dizer que ser negro ou mulher são condições para trabalhar com a gente. A primeira condição é ter conhecimento e a mesma alegria que eu tenho para trabalhar. 

Gênero e Número: Quais são as suas políticas para mulheres na cidade? E para negros?

Durante minha gestão, foi criada a Coordenadoria da Mulher. Ainda não temos delegacias, mas temos uma inspetora que acolhe os casos de violência doméstica e criamos uma rede de proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. Além disso, tivemos várias ações de combate à violência contra a mulher, como um trabalho junto com as secretarias de Educação e de Saúde para abordar este tema nas escolas. 

Não temos projetos direcionados a pessoas negras, porque muitas escolas não têm nenhuma pessoa negra. O que temos são projetos relacionados à Lei de Ensino de História e Cultura Afro-brasileira [Lei 10639/2003], como oficinas de capoeira e leitura de livros sobre esses temas

Em 2020 não serei candidata a nenhum cargo. O que eu pretendo fazer, e vou lutar muito para isso, é de ter oportunidade de ajudar o empoderamento e apoderamento da mulher na política, para que não existam mais candidatas laranjas e que as mulheres tenham mais conhecimento sobre política.

*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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