Ações pouco efetivas das empresas desestimulam denúncias de assédio moral e sexual, revela pesquisa

Institutos Locomotiva e Patrícia Galvão lançam documento que avalia percepção de trabalhadoras e trabalhadores sobre episódios violentos no espaço de trabalho; naturalização desse tipo de situação pode alimentar o entendimento de que estas não são ocorrências graves e que vítima pode ser desacreditada

 

  • Omissão

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  • Medo e vergonha

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Um dia, estava no meu trabalho, um colega pegou na minha bunda e me chamou para sair. Eu fiquei muito nervosa porque ele era meu chefe.” Esse é um dos relatos de mulheres que sofreram assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho e dividiram suas experiências na pesquisa “Percepções sobre a violência e o assédio contra mulheres no trabalho”, dos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão e da Laudes Foundation. O documento mostra que, entre as mulheres que trabalham ou já trabalharam, 76% já vivenciaram situações de violência ou abuso. 

As situações mais vivenciadas por essas mulheres foram excesso de supervisão e xingamentos no ambiente de trabalho. Cada um desses episódios foi vivido por 40% das respondentes. Em terceiro lugar no ranking das ofensas estão investidas e convites para sair constrangedores, que aconteceram com 39% delas. Também há episódios de discriminação pela cor da pele, em que mulheres negras sofreram quatro vezes mais que mulheres brancas e ainda constrangimento moral não relacionado ao trabalho, como a liberdade em relação a escolha de parceiros/as.

Maíra Saruê Machado, do Instituto Locomotiva, analisa, no documento, a normalização desses comportamentos: “As mulheres vivenciam uma série de situações de assédio e constrangimento no ambiente de trabalho que acabam sendo naturalizadas, ou seja, tratadas como situações cotidianas, de pouca importância”. A pesquisa ouviu 1.500 pessoas online, entre os dias 7 e outubro de 2020, e tem cobertura nacional. 

Entre os homens, 68% já vivenciaram situações ofensivas, mas a proporção em cada episódio é muito menor. Excesso de supervisão no trabalho também é a violência mais relatada, atingindo 16% deles. A mesma proporção para “opiniões ou pontos de vista não eram levados em consideração”. Receber de mulheres investidas constrangedoras aconteceu com 9% deles.

 

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A disparidade salarial também é observada na percepção dos entrevistados. A pesquisa mostra que 34% das mulheres ganhava um salário menor do que seus pares do sexo opostos. Entre os homens, 6% disseram que acontecia o mesmo.

Omissão

A pesquisa mostra que em 36% dos casos, a vítima relata que não aconteceu nada com o agressor. Pedir demissão (7%) ou ser demitido (5%) aconteceu em bem menor proporção. Mas a maioria (39%) diz que não sabe o que aconteceu com o homem que a assediou. No documento, Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, afirma que “é preciso que as empresas reconheçam a gravidade dessas situações e respondam com ações concretas e efetivas.”

E os dados mostram que, até então, a maior parte das vítimas buscam a resolução no campo individual, como evitar ter contato com o agressor (34%) ou pedir demissão (25%). As denúncias para o superior (15%), para área de RH (9%) e compliance (5%), ou até mesmo para a polícia (3%), aparecem em menor proporção.

Medo e vergonha

A reportagem principal da revista Piauí de dezembro de 2020 traz uma série de denúncias contra o ex-diretor da área de humor da Rede Globo Marcius Melhem. Ao menos 12 pessoas que trabalharam com Melhem foram vítimas de assédio sexual, moral ou ambos, de acordo com o texto. O caso foi denunciado ao compliance da emissora por algumas das vítimas, entre elas a atriz Dani Calabresa, e até o momento não há inquérito policial relacionado. Com a repercussão nas redes, houve questionamentos sobre a demora das denúncias ou o motivo de muitas das vítimas não terem denunciado sequer ao compliance, que é a área da empresa que observa a ética de seus funcionários.

 

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Mas assim como na Globo, o receio da denúncia ronda as vítimas de assédio por vários motivos. De acordo com a pesquisa, muitas (32%) acreditam que a situação vivenciada não era tão grave para ser levada adiante, mas boa parte não denunciou porque o próprio chefe era o agressor (11%) ou porque havia reincidência sem qualquer ação da empresa (10%). Havia ainda o medo de ser demitida (9%) ou a vergonha (8%), mesmo que a vítima não tenha culpa em casos de assédio. Também há os medos de ficarem sozinhas na denúncia, serem desacreditadas ou abandonadas pelos colegas devido ao fato de o agressor “ser muito querido”.

Jacira Melo também diz que “a pesquisa revela a urgência de ações pró-ativas por parte das empresas para o enfrentamento das situações de discriminação, constrangimento e assédio contra mulheres no ambiente de trabalho”. 

E essa proatividade encontra eco entre os respondentes: 96% são a favor de a empresa oferecer apoio psicológico para as mulheres falarem sobre episódios de “constrangimento, discriminação e assédio moral e sexual sofridas” no ambiente de trabalho. E 92% são a favor de uma “política clara de punição com demissão imediata do agressor” nesses casos.

O documento conclui que “corriqueiras, as situações são muitas vezes naturalizadas pelas mulheres, que nem sempre se percebem vítimas de uma violência de gênero” e a “importância de ações das empresas para informar e sensibilizar e dar apoio às vítimas”.
A pesquisa completa pode ser acessada aqui.

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