Foto: Marri Nogueira/Agência Senado

Donas de casa que tiveram 1 ou 2 votos em 2016 reaparecem como candidatas neste ano

Ao analisar bases de dados do TSE de candidatos de 2016 e 2018, é possível observar evidências de uso reincidente de candidatas laranjas; grupo das donas de casa candidatas cresceu desde que passou a valer a lei que determina cota mínima de candidatura por gênero

Por Giulliana Bianconi e José Lery*

Giulliana Bianconi

  • Existem: donas de casa com eleitores

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  • Veja todas as ocupações, de 2002 a 2018, por gênero, cargo e partido

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Em Limoeiro, no agreste de Pernambuco, a dona de casa K.M.C* foi candidata a vereadora em 2016 pelo PR (Partido da República). Obteve somente dois votos, sendo a terceira menos votada na cidade. Mesmo com o resultado pífio, ela agora é candidata a deputada federal, como mostram os registros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) acessados pela Gênero e Número. Também com apenas dois votos em 2016, a candidata B.L*, do PMN, ficou totalmente à margem da disputa por uma cadeira na Câmara Municipal de Araguari (MG), tendo terminado em 227º numa lista de 235 candidatos à vereança. Agora, vai concorrer como deputada federal. Já em Cruzeiro do Sul (AC), I.F.S* amargou um voto nas eleições passadas, quando esteve registrada como candidata a vereadora pelo PC do B, e nestas eleições aparece como candidata a deputada estadual.

K.M.C, no Nordeste, B.L, no Sudeste e I.F.S no Norte fazem parte do “fenômeno dona de casa”, observado em todas as regiões desde as eleições de 2010, quando passou a ser obrigatório aos partidos cumprirem cota mínima de 30% de candidatas. E são evidências, mesmo antes do resultado das eleições 2018, de que os partidos seguem praticando a inscrição de candidatas que não têm nenhuma conexão com a vida política ou com uma candidatura real. São as chamadas laranjas, que entram para cumprir cota.

No grupo analisado pela Gênero e Número, o das donas de casa, é possível ver como a presença dessas candidatas nas eleições gerais saltou justamente a partir de 2010 (ver na imagem abaixo). Mesmo com a queda que é possível perceber das eleições anteriores para esta, a proporção de donas de casa em 2018 ainda representa quase o dobro do que foi observado em 2006.

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Quando se opta por filtrar os cargos, percebe-se que em alguns anos, a partir de 2010, a proporção de donas de casa é maior para deputada estadual ou federal (onde a lei incide, justamente na disputa de cargos proporcionais) do que quando analisado o cenário de todos os cargos em disputa.

[+] Veja também: Ainda sem solução contra ‘laranjas’, Justiça Eleitoral tenta garantir o mínimo de 30% de candidatas 

Existem: donas de casa com eleitores

Nem só de votação inexpressiva são feitos os registros das donas de casa no TSE. Embora elas não tenham histórico de sucesso em grande proporção nas urnas – desde 2002, foram eleitas somente quatro mulheres que declararam essa ocupação -, há donas de casa que arrebatam centenas de eleitores, a exemplo de Socorro da Madre Teresa, que em 2016, candidata a vereadora de Teresina (PI) pelo PPS, somou 1.691 votos e ficou em 69º lugar, 40 posições atrás do último eleito. Neste ano, ela saiu candidata ao Congresso, como deputada federal. Embora não haja qualquer indício de que Socorro da Madre Teresa possa ter uma campanha competitiva para chegar em Brasília, é possível encontrar vídeos de campanhas em 2016 que atestam a movimentação política de sua candidatura.

Veja todas as ocupações, de 2002 a 2018, por gênero, cargo e partido

[+] Veja também: Caça a candidaturas fantasmas é pauta central do TSE pelo acesso das mulheres à política em 2018

*A Gênero e Número optou por não expor os nomes das mulheres identificadas nesse levantamento por avaliar que a exposição pode deixá-las ainda mais vulneráveis nessa estrutura com relações de poder tão assimétricas.

*Giulliana Bianconi é jornalista e codiretora da Gênero e Número.

*José Lery é engenheiro e analista de dados da Gênero e Número.

Giulliana Bianconi

É jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco, cofundadora e diretora da Gênero e Número. Atualmente também se dedica a pesquisar e a escrever sobre movimentos de mulheres e sobre desigualdades de gênero e raça na América Latina. Possui especialização em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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