Detenta trabalha em cooperativa no Pará, um dos poucos estados com iniciativas para presas | Foto: Thiago Gomes / Ascom Susipe

Desemprego e cárcere

No país de 12,6 milhões de desempregados, estudo do Instituto Igarapé mostra que apenas dez estados possuem projetos para reinserir detentas e ex-detentas no mercado de trabalho

Por Maria Martha Bruno*

Vitória Régia da Silva

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Dentro das cadeias, elas são minoria (5,2%), mas seu contingente cresceu 525% entre 2000 e 2016, de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Do lado de fora, se deparam com uma realidade em que 11.8% da população não tem emprego, sendo que mulheres são as mais afetadas (taxa de desocupação de 14,1%, versus 10,3% para os homens no segundo trimestre, de acordo com o IBGE). A combinação de ambos os contextos evidencia o tamanho do desafio para detentas e ex-detentas ingressarem ou retornarem ao mercado de trabalho. 

O estudo “Trabalho e Liberdade: Por que emprego e renda podem interromper ciclos de violência”, lançado pelo Instituto Igarapé esta semana, mostra que apenas dez unidades federativas executam ações relacionadas aos Planos Estaduais de Atenção à Mulher Privada de Liberdade e Egressa do Sistema Prisional: Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Pará, Rondônia e Tocantins. Somente 17 das 27 unidades federativas responderam aos questionamentos do estudo. 

Dandara Tinoco, autora da análise junto com Renata Giannini, explica que o crescimento exponencial da população carcerária feminina foi um dos principais motivadores do trabalho, ainda que os homens representem ampla maioria nas penitenciárias (do total de 812 mil detentos no país, pelo menos 42.355 são mulheres). Para ela, esta também é uma das razões pelas quais o governo federal deve estar mais atento a esta parcela da população, mesmo em um contexto de crise no sistema prisional, cuja face mais visível é a dos homens que superlotam diversas penitenciárias do país. 

“É preciso olhar para essas mulheres enquanto elas ainda não são um desafio em termos numéricos. Não quero dizer que não seja necessário olhar para a população masculina. Mas, sim, pensar em políticas de inserção das mulheres, e tentar encontrar soluções enquanto o problema é de um tamanho que ainda permite isso”, afirma a pesquisadora do Instituto Igarapé. 

De acordo com o estudo, os governos estaduais informaram medidas genéricas de fomento ao ingresso de detentas e ex-detentas no mercado de trabalho, tais como capacitação profissional, palestras e acompanhamento psicossocial. Apesar da capacitação, tarefas relacionadas ao trabalho doméstico, como cozinha e costura, ainda são preponderantes entre os serviços oferecidos às detentas, resultado tanto do reforço de estereótipos de gênero, quanto da falta de qualificação da mão de obra.

Para Dandara Tinoco, perfil e crescimento da população carcerária feminina mostram urgência de políticas voltadas para esta parcela da população | Foto: Divulgação Instituto Igarapé

“Não há problema algum no fato de elas exercerem essas atividades. E a gente sabe que são pessoas que têm baixa qualificação. Mas é preciso dar um passo além: aumentar oferta de vagas e aproveitar a mão de obra dessas mulheres quando saem da prisão”, analisa Dandara Tinoco. Seis estados (Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e Pernambuco) informaram que possuem iniciativas de cooperativismo e/ou empreendedorismo para presas e egressas, a fim de diversificar as habilidades profissionais de ambos os grupos.

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Na conversa presencial com detentas, em unidades prisionais de estados como Santa Catarina, Minas Gerais e São Paulo, a pesquisadora observou que o trabalho está conectado a outros anseios relacionados à vida pessoal, sobretudo a retomada da guarda dos filhos: “Elas querem conseguir se sustentar economicamente, mas também prover o sustento das pessoas que dependem delas. A maioria dessas mulheres têm filhos e a questão da renda é um ponto de reconexão com a família e com eles”.  

O perfil das detentas no Brasil é semelhante ao dos homens: seis em cada dez são negras e apenas 15% das mulheres presas finalizaram o Ensino Médio. Além disso, 64,5% foram condenadas por crimes relacionados ao tráfico de drogas, de acordo com dados do Depen citados no estudo. Dandara Tinoco afirma que estes fatores também aumentam a relevância de políticas destinadas a esta parcela da população. “Além da urgência da aceleração do crescimento da população carcerária feminina, tem a urgência do perfil. No mercado de trabalho, as mulheres em geral já enfrentam um desafio específico, sobretudo o perfil que é preso. São mulheres que já estariam em situação vulnerável independentemente de estarem presas”, lembra. 

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Entre as soluções apontadas pelo estudo para sensibilizar a iniciativa privada para empregar essas mulheres, estão o impacto social e as vantagens econômicas. “Presas não são submetidas ao regime da CLT [Confederação das Leis do Trabalho]. A contratação é regida pela Lei de Execução Penal. O piso salarial é de ¾ do salário mínimo e em vários estados não há pagamento de aluguel para empresas que instalam oficinas e espaços que usam essa mão de obra”, detalha Dandara Tinoco.

*Maria Martha Bruno é editora da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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