Autoras americanas falaram de Marielle, óleo no Nordeste e militarização da polícia | Foto: Mídia Ninja / FLUP

Angela Davis e Patricia Hill Collins fazem ode à liberdade em passagem pelo Brasil e analisam questões urgentes do país

Autoras americanas estiveram no Rio e em São Paulo na segunda quinzena de outubro e mostraram sintonia com as questões sociais do país

Por Lola Ferreira e Vitória Régia da Silva*

Lola Ferreira

O motivo oficial das visitas de Angela Davis e Patricia Hill Collins ao Brasil foi o lançamento de seus livros “Uma autobiografia” e “Pensamento Feminista Negro”,  respectivamente. Mas a passagem das feministas norte-americanas por Rio de Janeiro e São Paulo, na segunda quinzena de outubro, ficou marcada pela conexão de seus pensamentos com a realidade nacional. Com falas firmes e análises certeiras, Davis e Hill Collins ressaltaram em seus discursos a busca e a manutenção da liberdade.

“A liberdade é uma luta constante” (também título de outro livro de Davis, lançado no Brasil em 2018) foi a frase que marcou a fala da ativista e atual professora de Filosofia da Universidade da Califórnia nos discursos no Rio e em São Paulo. Usando como exemplo sua trajetória política e também a execução de Marielle Franco, Angela Davis explicou por que tal frase se aplica ao contexto nacional e, principalmente, fluminense. 

“Aqui no Rio de Janeiro, com a militarização da polícia, contra a qual Marielle lutou, vocês sabem que liberdade é uma luta constante. (…) Quando tiraram a vida de Marielle, muitas outras assumiram seu lugar. A luta continua”, disse, arranhando um português ontem (23) na abertura do 12º Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, no cinema Odeon, no Rio. 

Davis também analisou o governo de Jair Bolsonaro, sem citar seu nome, e chamando o presidente de “o coiso”, além de discutir o impacto do capitalismo, do racismo e da militarização na rotina da sociedade brasileira. Ao público do Rio, ela ainda pediu mais atenção para as queimadas na Amazônia e para o derramamento de óleo no litoral nordestino: “Agora não é hora de desesperança”, clamou.

Também no Rio, no último domingo (20), Patricia Hill Collins seguiu linha semelhante, ao falar ao público da Feira Literária das Periferias (FLUP), com destaque para a necessidade da interseccionalidade também em relação à questão climática. Para ela, este é o problema do momento.

“O aquecimento global, por exemplo, é algo que não impacta todas as pessoas da mesma forma, mas afeta todas e todos de alguma forma. Esse é o próximo assunto que clama por uma análise interseccional. A interseccionalidade vai mostrar a conexão entre os sistemas, como ele afeta as pessoas e como essas conexões devem dar forma à política”, disse. 

Professora emérita de Sociologia da Universidade de Maryland (EUA), Hill Collins também destacou a necessidade da interseccionalidade na luta pela liberdade. “A liberdade de uma pessoa não pode ser baseada na subordinação de outra.”

No mesmo tom da contemporânea do feminismo negro, Davis clamou por uma interseccionalidade também com a população trans. “Se o feminismo quer ser relevante, tem que ser anticapitalista, antirracista, e apoiar de maneira veemente o movimento em prol da população transgênero”, disse no Rio.

Davis também analisou a atual conjuntura sob a luz do movimento negro, com destaque para as eleições de 2018 e o governo Bolsonaro.

“Por muito tempo, o Brasil foi a nossa esperança, nosso farol. Antes da última crise, do impeachment e das eleições, parecia que vocês, especialmente por causa do ativismo das mulheres negras, finalmente estavam prestes a iniciar o processo de desafiar o racismo, que já deveria ter começado logo após o fim da escravidão. Mas não foi o que aconteceu”, avaliou. 

Hill Collins fez uma análise mais profunda dos efeitos da violência sobre o povo negro, destacando sua relação com o que acontece em âmbito privado e institucional. 

“Estamos chegando ao reconhecimento do efeito intergeracional da violência que tem como alvo homens e mulheres negras, e começando a reconhecer que nosso entendimento de violência não pode ser individualista. É algo social, estrutural e institucional. Então há uma conexão entre violência doméstica, militarismo e execução policial do povo negro”, disse ela na FLUP.

*Lola Ferreira e Vitória Régia da Silva são jornalistas e colaboradoras da Gênero e Número.

Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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