Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Ainda sem solução contra ‘laranjas’, Justiça Eleitoral tenta garantir mínimo de 30% de candidatas

Em 2016, 10% das candidatas a vereadora não receberam um voto sequer, em um forte indício de candidaturas incluídas apenas para o cumprimento da cota de gênero; Justiça Eleitoral só deve identificar candidatas ‘fantasmas’ ou ‘laranjas’ após as eleições

Por Carolina de Assis*

Carolina de Assis

Em 2018, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tomou uma decisão crucial para garantir o acesso das mulheres à política: a determinação de que os partidos devem destinar no mínimo 30% do Fundo Eleitoral, além do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, para as candidatas. Esse piso se ampara na lei de 2009 que estabeleceu que partidos e coligações devem apresentar no mínimo 30% e no máximo 70% de candidatos de cada sexo para os cargos proporcionais – deputado federal, distrital e estadual e vereadores.

O acesso proporcional aos recursos determinado pela Justiça Eleitoral ataca lateralmente outro obstáculo à competitividade real das mulheres nas eleições: as “candidaturas fantasmas” ou “laranjas”. Assim algumas legendas têm burlado a cota mínima de candidatas, incluindo nomes de mulheres nas listas sem que se trate de candidaturas reais. O resultado dessa fraude eleitoral em 2016 foram 14.498 candidatas a vereadoras que não receberam sequer um voto, ou 10% do total de candidatas às Câmaras Municipais do país naquele ano, como mostrou a Gênero e Número.

“Cabe à Justiça Eleitoral a detecção das chamadas ‘candidaturas-laranja’ em sede de prestação de contas eleitoral”, disse o TSE à Gênero e Número. “Nesse momento serão identificadas as candidaturas que eventualmente não receberam qualquer apoio das legendas partidárias, como aporte insignificante de recursos ou com votação ínfima ou não existente.”

Essa detecção, porém, se dá após as eleições, quando a fraude eleitoral já está consumada – e a Justiça Eleitoral até o momento não decidiu como tratar estes casos, conforme mostrou a Gênero e Número em reportagem. Como evitar, então, que as “candidatas fantasmas” cheguem às urnas?

Segundo apurou a Gênero e Número, o TSE ainda não tem essa resposta. O Tribunal age se acionado pelo Ministério Público Eleitoral ou por partidos políticos, coligações e candidatos. Portanto, antes das eleições, somente denúncias vindas destas instâncias serão averiguadas pela Justiça Eleitoral. “Os casos que forem sendo identificados/apontados durante o processo eleitoral serão investigados”, afirmou o MP Eleitoral.

No momento, estas instâncias da Justiça Eleitoral estão concentradas em garantir que a cota mínima de 30% de candidatas seja cumprida. Os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) são os responsáveis pelo registro de candidaturas proporcionais, que devem observar a cota de gênero. O MP Eleitoral já pediu aos TREs de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte o indeferimento dos registros das candidaturas apresentadas por quatro coligações que não cumpriram a cota, contando com menos do que 30% de mulheres.

Nestes casos, os partidos serão intimados a substituir homens por mulheres em sua lista de candidaturas ou cancelar o registro de candidatos para que a proporção de candidatas alcance o mínimo legal, informou o TSE. O prazo para o julgamento de todos os registros de candidaturas é 17 de setembro – caso as coligações não alterem suas listas para cumprir com a cota até lá, todas as suas candidaturas serão barradas.

Questionado pela Gênero e Número sobre o combate às “laranjas”, o TRE-MG disse que, após as eleições de 2016, o MP Eleitoral ingressou com várias ações no tribunal regional  para impugnar mandatos de vereadores eleitos em chapas que tiveram mulheres sem voto algum. Aproximadamente 200 recursos passaram pelo TRE-MG, em segunda instância, e até o momento houve condenação em somente um deles. O vereador Marcos Felícissimo Gonçalves, eleito pelo PROS no município de Conselheiro Pena, perdeu o mandato, mas segue no cargo “em razão de efeito suspensivo ao recurso obtido no TSE”, disse a assessoria do tribunal regional mineiro.

*Carolina de Assis é editora da Gênero e Número.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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